quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Décimo Terceiro Capítulo

O jantar tinha sido calmo e reconfortante. A conversa da noite anterior ocupava-lhe todo o pensamento. Agradava-lhe aquele sentimento e aquela sensação que tomava conta de si. Tinha tido saudades de sentir tudo aquilo outra vez. Foi nesse momento que por alguns segundos, Leonardo evadiu-lhe o pensamento. Não sabia porquê naquela altura em que revivia momentos felizes lembrava do homem rude que era Leonardo. Sentia um ódio de estimação por aquela figura. Porque pensava nele agora? Estaria dividida entre dois homens? Ou apenas pensava em compará-los?
Luís era culto, atraente, amigo, ao fimdas contas adorava-o. Leonardo era estranho, bruto, atraente, muito bonito. Sofia acordou. Como poderia pensar que Leonardo era atraente e bonito? Nunca. Era horrível.
Acordara relativamente tarde. Deitara-se de madrugada e decidira ficar na cama mais umas horitas, mas agora já passara tempo demais a preguiçar. Passavam das dez da manhã e o encontro com Carolina não tardaria. Combinaram um breve almoço num café que ela indicara. Era uma mulher ocupada e não disponha de muito tempo para as refeições. Tratava-se agora de uma advogada reconhecida pelos seus colegas, boa profissional e modéstia à parte caríssima. Digamos que só os poderoso e ricos disponham dos seus serviços. Localizá-la no Porto tinha sido um martírio e quando falara com ela ao telefone, mostrara-se reticente em aceitar o encontro. Sofia acreditava que ela tentava evitar o assunto, Leonardo, embora também teria sido para saber algo sobre ele e matar certas saudades que teria aceite.
Às duas horas em ponto, Carolina e Sofia encontraram-se. Sofia sabia que com ela não poderia usar o discurso que usára com as outras, por isso resolveu dar a volta ao assunto de uma outra maneira.
- Sofia Martins, suponho!?
- Boa tarde! Carolina O'Neill?
- Sei que não nos conhecemos, por isso digo desde já para ir directa ao assunto... Tempo é dinheiro.
Carolina não era diferente de qualquer outra pessoa que rodeava Carlos, fria e dura. Muito diferente da pessoa doce que transmitia naquela fotografia tirada à cerca de dois anos. Mudara bastante, o longo cabelo ruivo dava agora lugar a um corte curto e direito. O tom escurecera um pouco também. O vestuário era pesado. Fatos escuros e adereços inexistentes, fora o relógio de pulso e as pequenas pérolas nas orelhas. Parecia uma máquina.
- Muito bem! - disse Sofia - Sou jornalista. Conheci o Leonardo Alves quando fizera uma reportagem na firma do Dr. Carlos Vaz, onde penso que estagiou. - quando Sofia falou no nome de Leonardo, os olhos sem vida de Carolina, brilharam pela primeira vez - Metemos conversa e ele disse que já tinha namorado com uma advogada. Você!
- Ele disse isso?! Lamento informá-la, mas não foi bem um namoro. Gostava de me relacionar com ele. Era diferente de mim. Sinceramente, usei-o para chatear os meus pais. Resultou! - foi directa.
Sofia continuou.
- Pois, então. Agora estou interessada em fazer uma reportagem sobre opostos que se atraem. Casais que têm trabalhos completamente diferentes. Até agora tenho dois. Uma médica com um padeiro e um estafeta com uma advogada. - Sofia esperou a reacção.
- Sinceramente creio que só tem um. A minha relação com o Leonardo terminou à muito tempo e não tenciono falar dela. Se ele quiser que fale, mas eu espero que sem a minha permissão não faça nada, se não teremos chatices. - terminou Carolina, pedido a conta da mísera refeição que fizera.
- A Drª. tem a certeza que não gostaria de falar do assunto?
- Toda a certeza. Simplesmente acabamos tudo à dois anos, doeu por um tempo, teve consequências, mas é um assunto morto e enterrado. Agora se não se importa, tenho um julgamento às três.
- Obrigada. Se quiser falar algo...
Carolina não deixou Sofia acabar de falar e saiu a correr. Foi na reacção e nas últimas palavras de Carolina que Sofia ficou a pensar. "Teve consequências", o que queria ela dizer com isso? Com isto resolveu prolongar a sua estada no Porto por mais um dia.
Na manhã seguinte, Sofia resolveu ir até ao escritório de Carolina para tentar falar com ela mais uma vez. Quando lá chegou para sua surpresa, a secretária avisou-a que a doutora tinha ficado doente e telefonara a desmarcar todos os compromissos. Sofia pensava que uma mulher tão ocupada e com tanto amor ao trabalho, não tinha tempo nem para pensar em doenças, quanto mais em ficar doente. Com falinhas mansas, lá conseguiu a morada de Carolina e colocou-se a caminho.
Ao contrário do que pensava, Carolina não morava no centro do Porto. A casa localizava-se numa terrinha a alguns quilómetros, Amarante. Alugara um carro e embora pensasse que se iria perder, deu bem com o destino.
Era uma casa imponente, mas que não se conseguia ver do portão. O longo percurso até ao largo da casa escondia-a atrás de árvores e vinhas. Era um casarao muito belo, com pedras embatidas que lembravam as velhas casinhas de aldeia. Sem dúvida, uma casa de sonho. Foi recebida por uma senhora que toma conta da casa, uma espécie de governanta. Conduziu-a a uma sala no r/chão, muito agradável, decorada com o melhor gosto, em tons de castanho e pastel. Não tinham passado cinco minutos desde a sua chegada, quando uma Carolina mais descontraída a apanhou de surpresa.
- Nunca pensei que quando me avisaram de uma visita, se trata-se de você?
- Desculpe a intromissão, mas o nosso almoço no outro dia não me esclareceu em nada.
- Não era para esclarecer. Queria apenas avisar o meu descontentamento em relação à questão do artigo com o meu nome.
- Não a queria ofender, mas à alguma razão grave para não querer ver o seu nome relacionado com o de um estafeta? Ou apenas é algum tipo de discriminação?
- Discriminação? Claro que não! Só não quero mexer em feridas antigas...
- Feridas antigas? Da parte do Sr. Alves não à feridas. Nunca pensei que não seria assim das duas partes.
- O que lhe disser ficará só entre nós?
- Claro. Não possuo nenhum tipo de gravador, se é o que pergunta.
- Quando acabamos e eu vim para o Porto, eu estava grávida de dois meses. Talvez por andar sempre stressada nunca tinha reparado no meu atraso. Mas quando me vi sozinha e com uma carreira de sucesso a fugir, decidi arcar com este problema sem meter o Leonardo no meio. Ele nunca soube. Depois os meus pais vieram viver para o Porto e tudo foi se esquecendo.
- Vocês têm um filho?! - Sofia havia ficado atónica. Sentia-se sem pulsação, tamanho era o choque.
- Não, não. Eu abortei em segredo. Nunca ninguém soube. Só agora você.
- Incrível! Não sei o que dizer.
- Nem sei como no final destes anos, eu conto tudo. E logo para si. - respirou fundo e continuou - Está a ver porque não queria falar de Leonardo e da nossa relaçao.
- Compreendo. Sera um segredo só nosso. Bem vou me embora, então, um bom resto de dia e as melhoras...
- As melhoras??
- Está doente, não está?
- Oh, sim. Obrigada Sofia.
Aquela imagem ficou retida na memória de Sofia e enquanto fazia o caminho de regresso à pensão, pensava se seria mesmo um segredo só delas ou diria alguma coisa ao Carlos e ao André. O que iria fazer? O que pensava agora de Leonardo? A culpa seria dele e Carolina estava a protegê-lo? Ou ele seria mesmo inocente?

Décimo Segundo Capítulo

Leonardo tinha chegado a casa exauto com a reunião e com a visão de Helena. Não pregára olho a noite inteira a pensar no que ele queria fazer. Decidira conversar seriamente com Carlos no dia seguinte e fazer as suas exigências, não queria continuar uma marioneta nas suas mãos, nem tornar-se num daqueles homens insensíveis. Colocaria tudo em pratos limpos.
O motorista encontrava-se como de costume à porta do prédio, à hora marcada, sempre pontual, nem um minuto a mais, nem um minuto a menos. Às nove da manhã, Leonardo já se encontrava na sede de campanha. Começava agora a correria, com a entrada e a saída de pessoal atrapalhado, ocupado e distante. Ele passava por entre um mar de gente e ninguém notava na sua presença. Como poderia ser aquilo possível? Não era suposto ser ele o homem mais importante ali! Subiu a pequena escaderia até ao primeiro andar e decidiu esperar por Carlos no seu território, no seu escritório.
Chegára atrasado. Passava das nove e meia quando apareceu ofegante na sala. O rosto surpreso pela intrusão depressa desfez-se e o inicio da interrogação não se fez esperar.
- Que faz aqui, Leonardo? Algum problema?
- Vários problemas. Mas para mim o mais urgente é o assunto relacionado com a situação do meu irmão Tiago.
- Que não lhe tire o sono, meu caro. Esse assunto está a ser tratado.
- Tratado? De que forma? Á uma semana que espero que me diga quando o posso ir buscar. Tenho feito tudo o que me pede, nem tenho tido tempo para o visitar. Parece que já sou o Presidente da Républica! Quando? Pergunto eu.
- O que se passa é que temos andado ocupados com a venda da sua imagem, temos ainda o assunto das assinaturas e o André e a Sofia andam atrapalhados com a confirmação dos seus dados. Não queremos que nada seja esquecido. Ainda hoje a Sofia foi para o Porto.
- Nada seja esquecido! Não parece. Estão a esquecer-se da única família que tenho...
- Única? O André anda a tentar encontrar o seu pai e as suas irmãs. Não está assim tão sozinho.
- Eu não quero nada com esse homem. - a expressão cordial de Leonardo alterou-se - Exijo que esqueçam essa personagem e concentrem-se em trazer o Tiago para junto de mim.
- Exije? Meu caro, não é bem assim. Nós sabemos o que é melhor para si e o melhor é apagar qualquer mágoa com o seu pai, para ele não usar isso contra si em campanha. Depois arranjamos uma ama para tratar do seu irmãozinho doente.
- Ele não é doente! Não é preciso uma ama. Eu estou aqui agora a tempo inteiro.
- Não vai querer arrastá-lo para o seu mundo?! Por amor de Deus! Aparecer uma vez para os repórteres verem e transmitir apoio aos deficientes é uma coisa, mas agora carregar com o atrasadinho para todo o lado na campanha. Nem pensar! - Carlos foi cruel.
A temperatura aumentou e Leonardo sentiu o coração parar. Do punho fechado escorria uma gota de sangue. À porta André estava incrédulo.
As palavras feriram Leonardo e naquele momento o tempo parou. O sangue não era seu, jorrava da boca de Carlos. Leonardo nem sentira, quando atingiu a cara de advogado. A ira que o atingira deixara-o sem reacção. Como tudo aconteceu? Não sabia, mas aconteceu.
André entrou e arrastou Leonardo em silêncio para o exterior. Carlos ficara sentado na sua cadeira de pele, no seu escritório, com a mão sobre o lábio, chocado. Talvez não esperasse. Pensou no que tinha acontecido ali e reflectiu.
- Estás doido? O que é que te deu ali dentro Leonardo? Bateste no Dr. Vaz. Como é possível! - disse gritando André, desviando-se da mira de Leonardo com medo que este o agredisse também.
Leonardo continuava a olhar para a mão, que inchara. Pela primeira vez tinha batido em alguém, tinha se sujado com sangue que não era o seu. Olhou André, os olhos transmitiam angústia e dor.
- Dei-lhe um murro? Eu agredi o Carlos! - disse bem alto para que talvez fizesse sentido e recordou o momento - Dei-lhe um murro... mercido. Agrediu os meus sentimentos, fez pouco do meu irmão, da minha família. Quem aquele homem pensa que é? Deus.
- Não sabes o que fizeste? Acabou. Acabou tudo. A campanha, o sonho, tudo. Podes bem pensar em procurar emprego. Bateste no homem do dinheiro. O que tinhas na cabeça? Ele não sabe o que dizia. Esquecias, fazias orelhas moucas. Bateste-lhe!! - André só sabia repetir a mesma coisa. Parecia uma criança em pânico após ter partido alguma coisa do pai. Encontrava-se completamente perdido.
- Não tenho medo de procurar emprego. Sempre trabalhei, não tenho medo do trabalho. Quanto ao Sr. Dr. tem muito que se desculpar.
André ouviu irrequieto e viu sair Leonardo pela porta da moradia. No cimo da escadas encontrava-se um homem ferido no orgulho. Carlos olhava a porta aberta, por onde tinha saído o seu candidato. Não gostava daquela sensação de perda e desilusão. Era orgulhoso, mas agora era ele que errara e era de Leonardo que precisava. André viu-o sair pela mesma porta atrás de Leonardo e pensou que aquele homem estava disposto a tudo para ganhar as eleições, até a humilhar-se.

Décimo Primeiro Capítulo

O dia tinha amanhecido chuvoso, o céu estava carregado de grandes nuvens cinzentas, as ruas estavam pesadas e escuras e na beira das estradas formavam-se pequenos lagos que se tornavam desconfortáveis à passagem de algum condutor desenfreado. Então, as pessoas nos passeios, molhadas palrreavam para os motoristas, demonstrando o mau humor característico dos portugueses naqueles dias tristes.
Na pequena mala de viagem apenas se encontravam duas mudas de roupa. A estadia seria curta e não havia razão para mais apetrechos. Já estava arrumada junto à porta da entrada desde a noite anterior. Sofia dormira mal e cedo se arranjou para sair, para o curto trajecto até à estação de Santa Apolónia. Decidira ir para o Porto de comboio, era confortável, mais rápido e assim teria tempo para resolver algum assunto de trabalho enquanto percorria os largos quilómetros até à capital nortenha. Nunca tinha viajado de Alpha Pendular, seria uma estreia, que esperava que fosse agradável. O encontro com Carolina iria ter lugar no dia seguinte num café ao largo da nova Casa da Música.
Carolina era mais nova que Leonardo. Pelas informações retiradas a ferros do candidato, ela teria cerca de trinta anos e envolveram-se à mais ou menos dois. Sofia achára extraordinário o modo como Leonardo havia conhecido aquela mulher. Era diferente de todas as outras namoradas e Sofia não sabia o que iria encontrar. Embora todas as mulheres da vida de Leonardo fossem incrivelmente bonitas, aquela em especial transmitia uma sensualidade inigualável. Na fotografia que Sofia segurava, saltava à vista a sua enorme cabeleira cor do fogo e os olhos da cor da erva de Primavera. Uma mistura explosiva, pensou. Não era muito sardenta, caracteristica natural nas pessoas ruivas, tinha a pele branca, muito branca. Leonardo contára que Carolina O'Neill tinha sangue escocês. O pai conhecera a mãe na Escócia. Ele um filho da terra, ela uma nova rica de férias naquele paraíso gelado. Carolina já nascera em Portugal, mas as raízes estavam bem enterradas naquele país. Tinha posses e estudos, era o oposto de Leonardo. Estagiára na firma de advogados, uma doutora. Assim se conheceram, ela advogada, ele estafeta. Ele sempre achara que ela apenas o aturava para fazer frente aos pais e quando de repente vem com a conversa de sairem de Lisboa, Leonardo terminou a relação. Desde aquele dia que nunca mais a viu. Partira sem se despedir nem brigar.
Agora a caminho do Porto, com o colo repleto de papeís e documentos, Sofia descansava, sentia-se calma e sem forças. Adormeceu.
O sono tinha durado cerca de uma hora, quando acordou sobressaltada. Chegava à estação da Campanhã em menos de uma hora. Nem acreditara que já estava ali sentada à mais ou menos duas horas. A parte de baixo do corpo encontrava-se toda dormente, da posição em que se encontrava. As pernas custavam a responder aos impulsos e os pés tinham gelado. Pensou em como era difícil estar parada tanto tempo. Era uma mulher em constante movimento e esperar era a pior coisa que lhe podiam pedir. Resolveu levantar-se e ir até à carruagem restaurante. Era quase quatro da tarde e não almoçara, o remoinho no estômago recordava-a desse facto. Arrumou a papelada na pasta e pegou nela e na mala de mão.
A carruagem era simpática, pediu um café e uma sandes e esperou um pouco ao balcão. Foi quando se encontrava perdida na paisagem que via pela janela, quando chamaram pelo seu nome.
- Sofia! Sofia Martins!
De regresso ao comboio, Sofia ficou confusa e pensou ouvir mal.
- Sofia Martins! Aqui...
Sofia percorreu toda a carruagem com os olhos curiosos e ansiosos por fazer corresponder a voz à imagem. Reconhecia-a. Foi passado esse breve minuto que o seu olhar cruzou um olhar terno e familiar.
- Não posso acreditar! Luís?! - sorriu.
- Querida Sofia! Que fazes por aqui? Andas perdida?
- Eu venho ao Porto em trabalho. Tenho uma reunião com uma advogada. Mas, e tu? Conta-me o que fazes por aqui. E a andar de transportes públicos. Nunca pensei que o automóvel-dependente pudesse deixar o seu "menino" e andar com os comuns mortais num comboio...
- Estás a gozar comigo! Não sabes que agora é chic andar de transportes. - riu - É mais rápido! Também venho a trabalho. Uma entrevista com um actorzeco que agora anda na moda. Todas as raparigotas andam atrás do rapaz. E tu, então, reuniões com advogados? Mudaste de profissão sem avisares ou estás metida em algum sarilho?
- Nem uma coisa nem outra... O que pensas que sou?! Parece que já não me conheces. É só um trabalho de investigação. Uma longa história.
Conversaram durante o resto do percurso até chegar ao destino. Combinaram encontrarem-se para jantar e falar mais um pouco. Recordar o passado.
Entraram juntos para a universidade, Luís e Sofia. Amigos desde o secundário, foi durante o primeiro ano de faculdade que a amizade que os unia cresceu, talvez por isso achassem que a partir dali deveriam namorar. Ficaram juntos durante dois anos, embora no último já tivesse sido através de cartas, telefonemas e nada mais. Luís foi para fora estudar. Estudou em Inglaterra e embora a amizade tivesse continuado, foram raras as vezes que se haviam encontrado nos últimos anos. Luís estava diferente, mas continuava muito atraente. Sofia sempre tivera bem gosto e aquele mestiço conquistara-a para sempre, como amigo e até como amante. Tinha sentido a sua falta, mas com o passar do tempo e a amizade com Clara, tudo tinha aliviado. Agora naquela pensão, lembrava os velhos tempos, os velhos sentimentos e ansiava o encontro ao jantar. Foi nesse momento que pela primeira vez pensou no que realmente queria.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Décimo Capítulo

Leonardo acordára cedo como de costume, mas hoje não lhe esperava um longo trajecto para o emprego. Ainda estranhava a nova vida, mas acima de tudo estranhava aquela casa. Estava habituado à casa antiga. Vivera sempre nela, primeiro com os pais, depois com a mãe e o irmão e por fim sozinho. Aquela casa era maior, fria e muito branca. Leonardo achava que se parecia a uma grande arca frigorífica onde se ia conservando até chegar a hora de ser exibido.
Carlos mandava-lhe todas as manhãs um carro com motorista para o levar até ao Beato. Nunca andára num carro último modelo. Mais uma das novas coisas na sua vida.
Já fizera uma semana desde o dia em que o convenceram a aceitar esta proposta maluca. Desde então o desejo de trazer o seu irmão Tiago para junto de si tinha sido esquesido por Carlos, André e Sofia. Pior que isso, com tantos compromissos nunca mais tinha visto o mano mais novo. Tudo isto fazia-o sentir-se ainda mais em baixo.
O dia de trabalho começava com algumas noções de política dadas por Carlos. Sentira-se um professor e gostava disso. Carlos tentava moldar um novo homem, o que não era nada fácil, moldar Leonardo era ainda mais difícil. Carlos achava-o um aluno rebelde.
Leonardo sentia-se como uma criança num colégio novo, pressionado e invergonhado. Com os seus trinta e oito anos, Leonardo sentia-se sem forças para aprender tudo de novo. Quando deixou de estudar, ficára triste, mas agora com tantos anos passados sentia que já não tinha idade para aprender. Sentia-se um velho. Mas Carlos demonstrava paciência e isso de certa forma, encorajava-o.
A espécie de escola montada no primeiro andar da moradia, ficava preenchida por apenas três homens. Carlos, André e Leonardo fechavam-se durante as últimas horas da manhã.
Após o almoço apressado, Leonardo, Carlos e André colocaram-se a caminho de um pequeno encontro político em casa do advogado. Helena não aprovára muito, mas organizára uma pequena reunião para alguns contactos importantes. Uma pequena reunião, como os Vaz chamavam, era um encontro com cerca de cento e cinquenta pessoas. Entre advogados, juízes, médicos, políticos e empresários, a reunião estava recheada de figurões da sociedade portuguesa. Quando a pequena mansão começou a encher, Leonardo começou a sentir-se cada vez mais com uma certa apneia. A constante falta de ar perseguiu-o naquela tarde amena, entre apresentações e apertos de mão. Leonardo sentia-se abafar naquele ambiente fútil. Quando conseguiu fugir, refugiou-se num jardim agradável.
O jardim estendia-se num pequeno corredor replecto de flores da estação e vedações amarelas e acastanhadas. Era acolhedor. No fim do corredor abençoado pela beleza, encontrava-se um largo com uma fonte bonita, ali poderia esconder-se uns breves momentos. A fonte fazia lembrar as que vinham nos roteiros turisticos italianos. Um anjo muito bonito abençoava a água que dele nascia. Sentou-se num pequeno banco de pedra mármore que se encontrava junto da fonte, a admirá-la. Transmitia paz. Dali podia observar melhor a casa, o jardim e uma pequena estufa de Inverno que via a cerca de duzentos metros. Foi quando se encontrava perdido nos seus mais profundos pensamentos e reflectindo os últimos acontecimentos que uma voz feminina o acordou.
- Pensando no Inferno em que se meteu?! - disse Helena com um sorriso. Trazia as faces rosadas e uma enchárpe vermelha em volta dos ombros, que fazia sobressair mais esse pormenor. Dáva a entender que estaria a ficar febril ou então seria o efeito que o álcool faz a algumas pessoas. Bebera demais. Sentia-se afrontada na própria casa. Era contra a nova opcção do marido e não fazia o favor de esconder.
- Sim, de certa forma! - explicou Leonardo.
- Agora não vale a pena, meu amigo! Lamento dizer-lhe mas já vendeu a alma ao Diabo! Mas não fique assim porque vai chegar onde quiser...
- Não posso vender o que não é meu! A minha alma pertence a Deus, não a mim... Mas acho que tem razão nunca deveria me ter metido nisto.
- Ninguém deveria se meter nisto. É triste mas é verdade... não á salvação para aquilo que já está morto. Portugal morreu!
- Está bem, Dr. Helena?
- Óptima! Nunca estive melhor. Sabe o meu marido nunca foi um marido exemplar. Nunca me dispendeu muita atenção, mas agora passei a ter a mesma importância que qualquer jarra cara da nossa casa.
Leonardo naquele momento apenas viu uma mulher e não uma doutora advogada, dura e fria. Jura que vislumbrou uma lágrima no canto do olho de Helena.
- Helena querida! Talvez seja melhor ir para dentro. - interrompeu André - Leonardo meu querido, desculpe qualquer coisa...
E assim arrastou aquela mulher ferida para o interior da casa. Leonardo sentiu-se sem acção e pensou mais uma vez no mundo em que agora entrava. Temeu pela primeira vez tornar-se frio e implacável como aquela gente engravatada. Caiu a noite naquele jardim e Leonardo deixou-se ficar sentado, perdido naquele banco de pedra.

Nono Capítulo

O sol do meio-dia já brilhava no alto do céu sem nuvens. Estava um dia ameno, até agradável para o mês frio de Novembro. Apesar do calor que se fazia sentir já se conseguia sentir o espírito natalício que inundava a baixa Lisboeta. A crescente crise económica que se fazia sentir apressava a colocação da decoração de Natal e as promoções marcavam todas as montras da rua Augusta. O cheiro a castanhas assadas à porta da estação fluvial do Terreiro do Paço, transmitia sensações quentes e agradáveis que Sofia adorava. Era uma época que a deixava feliz. Fora as preocupações do dia-a-dia e o stressante projecto a que agora se proponha, as recordações de Natais em família e Passagens de Ano com amigos enchiam-na de desejos e sonhos. Sofia não se achava uma sonhadora, mas aquela ocasião mexia particularmente com ela, aquela sensção boa deixava-a alegre.
O apito do barco catamarã acordou-a e transportou-a de volta à Terra. Acreditava que nunca tinha andado naquele transporte, mas não se tratava de uma viagem de lazer. Em vinte minutos estaria na outra margem. Começara no dia anterior o trabalho mais importante até agora. A sua investigação da vida do novo candidato já a tinha levado a discussões na firma de advogados, onde o Dr. Vaz era accionista e tinha corrido por todo o centro comercial Vasco da Gama, onde Leonardo trabalhára como segurança. Perseguira o chefe de segurança por toda a superfície comercial, como um cão de fila, enquanto tentava arrancar alguma informação útil, o que não fora fácil, porque dificilmente aquele homem se lembrava de nomes e caras, dos seus funcionários. O máximo que ouvira da boca dele fora "cumpria horários" e "era muito pouco falador".
Agora ali, com uma ligeira sensação de mal enjoo, apenas pensava chegar à margem sul do Tejo. Tinha hoje pela frente uma investigação mais sentimental. Iria vasculhar as relações amorosas e as relações com os velhos amigos, que felizmente eram poucos. Não se sentia à vontade, principalmente em relação à parte do coração.
Marcára um encontro com a primeira "namoradinha" para um almoço, por volta da uma da tarde num restaurante no centro da cidade do Barreiro. Iria começar ali a tortura lamechas de Sofia. Já imaginava cenários opostos, mas sempre concisos, ou todas o amavam ou todas o odiavam. Por ela esperava o segundo cenário, mas pela primeira vez pensou que por ele, esperava que tudo corresse como previsto.
Já passava da hora marcada, quando finalmente Sofia encontrou o maldito restaurante. Esperava-a uma rapariga elegante, morena e muito prática. Realmente, fazia todo o género de Leonardo. Reconheceu-a através de fotografias antigas que ele lhe dera. Não sabia como começar a conversa, mas alguma coisa iria ter de inventar, não poderia-lhe dizer quais as verdadeiras intenções.
- Boa tarde! Inês, não é verdade?!
- Sim. Deve ser a Sofia Martins! Boa tarde!
- Como disse ao telefone...
- Gostava de informações sobre o Leonardo Alves. Desculpe pela interrupção, mas achei bastante estranho...
Sofia gelou.
- Sim, é verdade. Talvez ache um pouco estranho. Bem eu trabalho para uma seguradora que por sua vez trabalha para a firma de advogados onde o Leonardo está empregado. - continuou - Como deve calcular, nós temos de averiguar alguns dados, principlamente em relação ao carácter da pessoa que vamos assegurar, como cadástro, saúde e isso obriga-nos a interrogar algumas pessoas da vida de Leonardo Alves.
Sofia esperou petrificada a reacção daquela rapariga que se encontrava à sua frente. Por momentos pensava que não tinha conseguido convencê-la com aquela mentirinha inocente.
- Entendo... que susto! Devo dizer que estava reciosa que o Leonardo tivesse metido em alguma confusão.
- Ele é rapaz de se meter em confusões?
- Não, não, que ideia! Sempre foi muito ajuizado e devo confessar que foi isso mesmo que fez com que eu acabasse com ele. A vida tornara-se monótona! - sorriu.
Conversaram durante duas horas e Sofia ouviu atentamente cada frase que Inês dizia. Achava que aquela mulher gostava muito de Leonardo e tinha-o como um amigo. Previa que os seguintes encontros com as restantes mulheres da vida dele iriam ser idênticos.
Sofia tinha o dia preenchido com lanches e cafézinhos com mais três jovens mulheres, Mariana, Laura e Beatriz. O discurso era idêntico, as reacções eram as mesmas. Nada de novo. Bem poderia colocar todas aquelas mulheres numa sala fechada e nenhuma se zangaria com a outra. Todas ultrapassaram a relação com Leonardo e viam nele um bom amigo. Sofia conseguia apenas estranhar.
A mais difícil de encontrar era sem sombra de dúvida Carolina. Mudára-se da margem do Tejo para a margem do Douro. Vivia agora no Porto e Sofia marcára com ela uma reunião para dali a dois dias. O que a esperaria? Pensava que iria ser mais um discurso caloroso e apaixonado. A última relação de Leonardo. A mais recente.
Sofia acabava a sua jornada com algumas respostas e apenas com uma pergunta. O que Carolina lhe reservava?

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Oitavo Capítulo

A máquina de café dava sinal do incio de mais uma manhã. O cheiro evadia não só a cozinha como toda a casa. Era um aroma delicioso que Sofia adorava. Agora sim estava pronta para mais um dia que adivinhava ser longo e difícil.
Chegara a casa por volta das cinco da manhã completamente estafada. A espécie de interrogatório policial tinha demorado mais do que o esperado e naquela altura achava-se capaz até de descrever o guarda-roupa completo de Leonardo. E que guarda-roupa? Pensava o quanto difícil iria ser reeducar aquele homem. Crescia dentro dela um sentimento inexplicável quando pensava nele. Sentira-se atacada quando lhe revelaram que o homem que esperava naquela saleta, seria o candidato perfeito às eleições presidenciais. E depois de toda a noite passada, a opinião que formara de início não mudára. Continuava a pensar que não tinham feito a melhor escolha. Que no fim tudo seria um castelo de areia, que atingido por uma onda do mar se desmoronaria assim como os sonhos de Carlos. Decididamente estava a preparar-se para uma desgraça completa.
Passava das oito da manhã e já tinha de se por a caminho para as instalações da campanha. Nem dormira, apenas tomara um banho e alguma espécie de pequeno-almoço. Tinha muito trabalho à sua espera. Para além de ter de confirmar toda a história de Leonardo, teria de arranjar uma casa para ele em Lisboa, paga pela campanha, obviamente. Porém o dia começava com a sessão fotográfica do nova candidato. Foi então que Sofia notou o quanto difícil iria ser o seu dia, se para além de tanto trabalho ainda tinha de servir de babysiter.
Chegou ao Beato por volta do quarto para as nove e Leonardo já lá estava. Como tinham terminado tarde ficara em casa de Carlos o que tinha sido benéfico pois sempre vinha bem apresentado, de fato e camisinha, ligeiramente descontraído. Porém, a capacidade de Sofia achar defeitos não tardou a evidenciar-se e choviam as criticas.
- Fato, camisa, sem gravata... Muito Bem! Um aspecto limpo, profissional, mas também descontraído porém, o guarda-roupa não é tudo. Muita coisa vai ter de mudar até se tornar um senhor. - disse Sofia friamente.
- Mas vamos no bom caminho! - sorriu Carlos.
- Eu faria melhor, Dr.! - interrompeu André - Com esse corpinho, vamos fazer melhor. - olhou para Sofia - Querida temos de por mãos à obra e tratar de ir às compras com este homem.
Sofia tentou esquivar-se de mais esta partilha de experiências e de se encontrar mais algum tempo com aquele homem. Não percebia porque tinha de estar presente, com tanto trabalho e além do mais, era jornalista não consultora de imagem.
Leonardo olhava desconfiado para cada gesto e cada pormenor de André. Sentia-se pouco à vontade. Desde o primeiro instante que notara que ele era homossexual, não que ele tentasse esconder, mas era claro na sua atitude e na sua linguagem. Pelo menos no modo como falava com ele. Querido, corpinho, fofo... Nunca tinha convivido com nenhum gay e não tinha qualquer problema, mas era mais forte que ele, não sabia como reagir e sentia um certo receio de André sentir-se entusiasmado com ele e desejar algo que não pudesse dar. Era claro como Leonardo gostava de mulheres e agora mais do que nunca sentia necessidade de demonstrar isso. Nem sabia explicar porquê. Coisas da vida, pensava.
Carlos escolhera um dos melhores fotógrafos de Lisboa para fazer as fotografias que iriam ser a cara de uma campanha independente. Começaram por tirar fotografias aos acessores como André, Carlos e até Sofia. Depois as fotos mais importantes. Demorou cerca de uma hora a sessão fotográfica do futuro candidato. Caras sérias, caras sorridentes, caras pensativas, caras de todo o estilo possível e imaginário. Uma manhã cansativa para fechar com chave de ouro a noitada anterior.
Eram cerca das onze da manhã quando Sofia conseguiu um tempo só para si. Entre tanto stress matinal apenas agora e por meros instantes poderia relaxar na confortável poltrona do escritório de André. Pensava no trabalho que teria pela frente pela centésima vez naquela manhã. Como as tarefas se multiplicavam e sempre que uma se cumpria, duas novas apareciam. Nos próximos dias teriam de arranjar 7500 a 15000 assinaturas de cidadãos portugueses eleitores para poderem entregar no tribunal constitucional, lá irinam ser confirmadas e estudado o perfil do candidato para por último, ser aprovado para puder concorrer às presidenciais. Tinham de correr e o pior é que teriam de confirmar o dossier com os dados de Leonardo antes de entregar as assinaturas no tribunal. E isso não demoraria muito, Carlos era influente e pelo menos o minimo de assinaturas já conseguira. Entre ricos e muito ricos, Carlos sabia desenrascar-se.
Nessa tarde a sua função começaria por tentar encontrar uma casa no centro de Lisboa. Após pesquisar bastante na internet e ter telefonado a algumas agências, conseguira marcar visitas a algumas para o próprio dia. O que iria custar mais era a presença de Leonardo, porém sabia que podia contar com André que não a largava por um segundo. Despachados desta emenda, seguia a tão desejada tarde no centro comercial. Desejada por André e temida por Sofia e até por Leonardo que até ao momento sentia-se como um rato de laboratório.
Sofia sabia que o dia iria acabar ali, naquele sítio sem alma, como ela tratava todos os centros comerciais e as grandes superficies onde tudo se vende e tudo se compra. A pesquisa séria iria ser adiada mais vinte e quatro horas, assim como a sua esperança de desenterrar algo digno de correr com Leonardo da campanha e da sua vida. Iria encontrar alguma coisa? Será que Leonardo é assim tão terrível? Ou Sofia apenas confunde sentimentos? Amor ou ódio? Atracção ou repulsa?

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Sétimo Capítulo

O dia que outrora parecera tão promissor transformara-se. Momentos surpreendentes e de alguma forma chocantes preenchiam cada minuto que passava.
Já passara das seis da tarde e a moradia que antes parecia a estação de Stª. Apolónia em hora de ponta não produzia qualquer som. O silêncio inundára todas as divisões daquela casa. As pessoas tinham abandonado as instalações e agora apenas restavam os quatro. A noite começara a cair cedo, como em qualquer dia de inverno, ao menos alguma coisa mantinha a normalidade.
Leonardo já tinha atingindo um estado mais calmo e reflectido em tudo o que ouvira e dissera. Por meros instantes, tudo aquilo fez sentido e pensou que talvez o seu caminho, a sua vida, pudesse seguir aquela direcção. Talvez o seu futuro não fosse viver uma vida de esforço e sacríficio. Aceitou por momentos uma hipótese impensável e pela primeira vez decidiu ser egoísta. Ponderou e disse aquilo que mais se desejava ouvir.
- Se acham que eu posso conseguir... se me vão ajudar e dar uma hipótese de melhorar na vida. Eu aceito! - e o silêncio foi quebrado.
Sofia que ainda retia alguma esperança de uma negação por parte de Leonardo, transmitia agora desilusão, que ficava bem explicita no seu rosto pálido.
- Muito bem! Vamos a isto. - inrrompeu Sofia no ambiente circundante.
Leonardo só pensava no significado daquelas palavras. O que lhe esperaria? Quando pensava que o dia tinha terminado ali, estava bem enganado, apenas começara no momento em que aceitara.
- Meu caro Leonardo! Sente-se e coloque-se à vontade. Vamos ter muito trabalho pela noite dentro e é melhor começar no que deseja jantar, para encomendar, pois daqui não vamos sair sem saber a sua vidinha toda. - disse Carlos com um sorriso no canto da boca que não conseguira disfarçar.
- Tenho aqui uma lista de questões para lhe fazer, meu querido. - afirmou André olhando para Leonardo e em seguida para Sofia, continuando - Sofia, talvez queira acrescentar alguma?! Esteja à vontade. Tem de me dar uma mãozinha neste assunto...
- Claro! Logo veremos.
Ainda não tinha assimilado toda esta informação e Leonardo já começara a ser "bombardeado" com as primeiras perguntas do rol que se seguia. Naquele momento é que caira em si a responsabilidade que iria ter e os nervos irromperam à flor da pele. No que se teria metido? O interrogatório começara e ele só se lembrava dos realizados pelas entidades policiais ou pelos nazis na segunda grande guerra, o que piorava a situação.
- Como se chama? Nome completo.
- Que pergunta?! Sabe como me chamo.
- Por favor, responda às perguntas.
De repente o ar pesou e a ideia de um interrogatório feito por terroristas ganhava mais força.
- Muito bem! Leonardo Costa Alves.
- Onde mora?
- No Barreiro. Quer a morada?
- Sim, claro. Vai ficar tudo registado para mais tarde confirmar-se. - disse prontamente Sofia como quem ataca em tom ameaçador.
- Resido na Rua Manuel Pacheco Nobre, Nº43, 2º andar esquerdo.
- Quantos anos tem? Data de nascimento.
- Nasci a 13 de Maio de 1969, tenho 38 anos.
- Bom, muito bom! 13 de Maio, Nª. Srª. de Fátima, as velhinhas religiosas vão pensar que é uma espécie de milagre. Um santo! Óptimo. - interrompeu Carlos.
- Mãe? Pai? Família? - continuou André.
- A minha mãe morreu à cerca de um ano de cancro da mama. Chamava-se Amália. O meu pai abandonou-nos quando era pequeno e ela voltou a casar, com um bom homem de quem teve outro filho. Meu irmão Tiago de 15 anos. Tenho pouca família.
- O seu pai biológico, nunca mais soube nada dele?
- Creio que se casou novamente, ou pelo menos juntou-se com uma mulher mais nova. Tem duas filhas. Nunca as conheci.
- Penso que temos um problema, mas talvez também uma vantagem. O seu pai adoptivo?
- Faleceu quando o Tiago era pequeno. Ataque cardíaco. Trabalhava numa barbearia.
- E o seu irmão? Está consigo? Como se relacionam?
- Somos os melhores amigos. Sempre o adorei. Sofre de Sindroma de Down e como não posso lhe dar muita atenção, pois não tenho tempo, tive de o internar num lar que lhe dá a melhor assistência. Mas vejo-o todos os dias. - disse Leonardo com uma lágrima ao canto do olho. Os seus sentimentos eram puros e sinceros e nem mesmo Sofia ficou impune.
- Temos que resolver isso... Não pode ficar mais tempo internado nesse lar. Temos que o trazer para junto de si.
Foi com estas palavras por parte de Carlos que Leonardo mostrou pela primeira vez a garra com que o advogado queria que ele vencesse estas eleições.
- Nem pense usar o meu irmão para conquistar votos. Não vou deixar que façam dele um boneco para ser mostrado por ser diferente nesta campanha. Com ele não!
- Calma Leonardo! Eu percebo-o. - interpolou Sofia, acalmando-o - Não vamos usar o Tiago, mas mais cedo ou mais tarde ele vai ser descoberto, pelo opositor ou por jornalistas sem excrupúlos e será usado contra si. Não é seguro ele estar num lar, por melhor que este seja.
Leonardo ouviu e concordou e por uma vez, o egoísmo que sentira ao aceitar ser o candidato, desapareceu e pensou no bem estar do mano pequeno.
- Muito bem! Continuem...
- Muito bem. Tem namorada? Ou mantém algum tipo de relacionamento com alguma pessoa, homem ou mulher? É homossexual?
- Não. Não. Não.
- Quantas namoradas teve?
- Assim de momento não me recordo. Mas cerca de cinco ou seis.
- Cerca, não serve. Tem de ter a certeza. Cinco ou seis? - interrompeu Sofia ferozmente. A velha Sofia havia voltado, com a sua incerteza e desconfiança.
- Cinco.
- Queremos nomes, idades, moradas, telefones, profissões. Nada pode ser esquecido.
- Não percebo, porquê tanto interesse?!
- Imagine que no meio de um discurso de candidatura, aparece uma mulher a dizer que está grávida ou tem um filho ilegítimo seu. Seria um escândalo! Temos de prever catástrofes... -disse Sofia friamente. Leonardo quase jurava que vira uma veia arrebentar no meio da testa dela. Foi nesse momento que eles notaram que nunca iriam se dar bem. Teriam de ser esforçar bastante para coexistirem juntos e trabalharem em conjunto.
Após um jantar à base de pizzas e refrigerantes, as horas que se seguiram até de madrugada, foram preenchidas por perguntas que torturavam de todas as maneiras a simples vida de Leonardo. Sofia iria dificultar tudo o mais possível e desenterrar toda a sua história, embora não tivesse nada a temer. Naquela altura e por breves instantes, Leonardo sentiu-se fascinado por aquela mulher misteriosa que acendia em cada momento de discussão e a quem decididamente tinha declarado guerra aberta.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Sexto Capítulo

A surpresa e a admiração inundava a sala direita do piso térreo. As faces daquelas quatro almas demonstravam sentimentos opostos de espanto, incredibilidade e ambição.
Sofia e Leonardo encontravam-se em estado de choque por tamanha incredibilidade por parte dela, e por uma enorme vontade de fuga pela a aberta entre os outros dois homens que vislumbrava pelo canto do olho, pela parte dele. Fugir daquele manicómio era só o pensamento que enchia a cabeça de Leonardo. Como poderiam pensar que ele seria Presidente da República? Senhores estudiosos, com diploma e Dr. no nome... como ocorreu-lhes tal coisa?!
Apenas dez minutos tinham passado que parecera uma eternidade, até o advogado interpolar aquelas pessoas surpreendidas.
- Que cara, meu caro! Não viu um fantasma! Pelo menos creio que acordei vivo! - riu enquanto fazia o gesto de quem procura a pulsação.
- Sofia, querida, vamos falar para a minha sala enquanto o Dr. Vaz fala com o Sr. Alves. - disse André.
Sofia nem deu por se mover e seguir André. Sentia-se dormente, adormecida ainda do choque. Como? Pensava continuamente. Como poderiam pensar?
Quando veio a si Sofia já se encontrava sentada numa cadeira confortável. O escritório era airoso, bem decorado a cores quentes e neutras. Estilo japonês onde reinava o vermelho, o branco e o preto. Achou-o a cara de André. Transmitia serenidade ao contrário de todos os que outrora tinha frequentado. E de calma era tudo o que necessitava agora.
- Não esperava que reagisse assim, Sofia! Nunca pensei que se chocasse ao ver o nosso candidato.
Até aquele momento Sofia não havia pensado muito, apenas tinha ficado surpresa. Mas agora que caira em si, sorria.
- Que susto, André! Por momentos acreditava nessa história... Um homem daqueles, rural, virgem de qualquer consciência política, um candidato. - fez um sorriso invergonhado e continuou - Uma partida para a novata!
- Pensa que estávamos a brincar consigo?! Então brincámos com todos. Porquê não ele? É um homem humilde de quem ninguém ouviu falar e de quem ninguém sabe nada. O Dr. Vaz escolheu bem!
- De quem ninguém sabe nada e de quem nem nós sabemos nada! Aquele homem pode ser um vigarista ou um maluquinho, que nós nem sabemos. Já pensou nisso?
- Ele trabalha, ou melhor trabalhava na firma do Dr. Vaz, como estafeta. Lá nunca trabalharia um vigarista ou uma pessoa com problemas, digamos psicológicos. Tenha calma, Sofia! Tem de ter fé!
- Ter fé num homem que não conheço de lado nenhum e que pode muito bem ser um espião de outro partido?! Nem mesmo em Deus eu tenho essa fé...
- Não exagere! Cuidaremos de averiguar e descobrir tudo sobre ele. E espero que me ajude nessa missão. O seu faro jornalístico e a sua capacidade de investigação vão ser muito úteis neste caso.
- Foi para isso que me contratou, não foi?! Pois aqui me tem. Mas depois quando descobrirmos algum passado obscuro do nosso "candidato" não se venham queixar.
- Que péssimista!! - sorriu.

No lado oposto da "base de operações", Carlos tentava acalmar um jovem enervado e em quase estado catatónico.
- Eu... eu... eu... Presidente?! Está tudo doido. - balbuciava Leonardo.
- Acalme-se. Quando olhei para si, transmitiu-me confiança. Acho que escolhi bem e acredite, tinha muito por onde escolher e recusei todos. Só me apareciam "meninos do papá", que nasceram em berço de ouro e que nunca lutaram na vida por nada. Só de ouvir a mesma história, onde só mudavam os personagens, adormecia de tédio. Sempre a mesma lengalenga, nasceu ali, estudou acolá, formou-se naquilo e trabalhava com ........ querido paizinho. Você votaria num homem destes? Que nem sabem falar sozinhos. Sem ideias próprias.
- O Sr. Dr. não percebe. Eu não percebo nada de política. Nunca desejei nada disso para mim. Só tenho o 9º ano.
- Exactamente. Eu posso ensinar-lhe e além disso você é um homem igual aos homens comuns da população. E toda a gente sonha com dinheiro, fama, poder... Você terá tudo isso.
- Se for eleito!...
- Quando for eleito, pois eu estou certo que faremos uma óptima equipa.
- Assim como pensam os outros partidos e os seus candidatos.
- Acredite em mim, meu caro. Nós vamos vencer com uma perna ás costas. É só descobrir os pontos fracos e atacar. É só saber conquistar a maioria! - sorriu.
Leonardo sentiu-se desfalecer, embora soubesse que não haveria se mexido. Não sabia o que argumentar mais. Não sabia como convencer aquele homem que estava errado, que ele não era homem para aquilo e muito menos o candidato perfeito.
Pouco depois chegaram ao escritório, André e Sofia, e após o breve silêncio constragedor, os três rodearam Leonardo preparando-se para atacar como um leão ataca a sua presa. O grande desafio iria agora começar. O interrogatório exaustivo iria iniciar-se e o "prisioneiro" não tinha por onde fugir.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Quinto Capítulo

Se os nervos provocassem tremores de terra, naquela sexta-feira a zona centro do país tinha alcançado o pico alto na escala de Ritcher. O Tejo teria sido sugado para o interior do globo terrestre. Lisboa e Barreiro, eternos namorados teriam sido o epicentro do desastre. Sofia e Leonardo ainda não se haviam cruzado e já partilhavam sentimentos e receios.
Como de costume Leonardo lenvantárasse cedo, embora nesse dia tivesse tirado folga, não por assim desejar, mas por opcção do Dr. Vaz que tratou de tudo no emprego. Assim iria aproveitar. Tinha de estar no bairro do Beato às três da tarde, até lá poderia ter um tempo só para si. À quanto tempo isso não acontecia. Nem tinha memória de tal.
Depois da corrida matinal pelo parque, comprou no quiosque do Sr. António, o jornal de desporto para ler as desgraças do seu clube de futebol do coração. Desde que se lembrava que gostava daquele clube. Era das poucas lembranças que tinha do pai, quando levava-o ao futebol para assistir aos jogos. O dinheiro não dava para muito, mas ele adorava aqueles momentos passados a dois. Tinha passado apenas alguns dias do último jogo que viram juntos, quando o pai abandonou o lar. Nunca mais falaram um com o outro, embora soubesse que se tinha juntado com uma mulher mais nova e tido duas filhas. A mãe sofreu muito, mas refez a vida com um homem bom que acabou do criar. Assim anos depois nasceu o Tiago.
Parou junto ao café da esquina para tomar o pequeno-almoço. Não costumava comer muito, mas sabia-lhe bem o café cheio com o bolo de arroz. Ficou algum tempo a ler o jornal e pôs-se a caminho de casa para tomar o banho merecido.

Sofia acordára bem disposta e resolveu encontrar-se com a irmã mais nova, Filipa, para tomar o pequeno-almoço. No dia seguinte faria anos, mas não estaria com ela, por isso resolveu dar-lhe o presente antecipadamente. Da última vez que se encontraram, Filipa reparou numa mala castanha muito bonita na montra de uma lojinha e Sofia pensou em oferecê-la. Com uma ajudinha da mãe pôde-lhe comprar a mala e um cachecol com flores lindissímo.
Passava das dez da manhã quando Filipa juntou-se a Sofia numa pastelaria da baixa Lisboeta. Como de costume, o regime de Filipa não a deixava deliciar-se com um docinho e optou por um pequeno-almoço light, sumo de laranja natural e uma sandes de fiambre. Sofia era o opsto, como sempre, escolhera um pastel de Belém, ainda morno e um café com leite. Era gulosa e dietas não era com ela. Conversaram ainda uns largos minutos, até Sofia a surpreender com os presentes. Depois separaram-se. Nunca foram pessoas que falassem como velhas amigas e de assuntos sérios de família. Filipa era fúctil e os seus temas favoritos eram sempre os do estilo das revistas cor-de-rosa. Sofia sempre achara que Filipa e Clara se dariam às mil maravilhas. Por essa mesma razão, nunca entendeu como se dava tão bem com Clara, aliás, melhor do que com a sua própria irmã.
Sofia resolveu passar pelo mercado e comprar algumas frutas e verduras que lhe faziam falta. Adorava cozinhar. Modéstia à parte, era óptima cozinheira e cozinhar funcionava também como uma terapia. Era melhor e mais barato do que psicólogos, pensava.
Já passava do meio-dia quando finalmente entrou em casa e tinha apenas algumas horas para se arranjar e chegar pontualmente ao encontro marcado com André e o Dr. Santos Vaz.

Batia a uma da tarde quando Leonardo saiu de casa em direcção à estação fluvial para apanhar o barco para a outra margem. Tinha de chegar a horas ao Beato. A primeira impressão é tudo, pensava. Vestiu-se como pensava só se ter vestido algumas vezes para ocasiões especiais, casamentos e funerais. Não era um homem que gostasse de usar gravata, mas hoje por excepção usava uma em tons de cinzento e prata. Era elegante, usára-a pela primeira e única vez no baptizado do Tiago. Adorava aquele irmão e por ele fazia tudo. Sacrificios e até ir a uma reunião completamente às cegas. Aquela história não lhe agradava.
Chegou cedo a Lisboa e resolveu passear um pouco para esticar as pernas até chegar o autocarro 759. Quando finalmente chegou o transporte, entrou.
Faltavam vinte minutos quando chegou ao local marcado na zona do Beato. Belo bairro, pensou, mas não gostaria de viver ali.
Era uma vivenda de r/chão e primeiro andar. Antiga, talvez construída antes do 25 de Abril, na época de Salazar. Uma moradia transformada em base de operações. Muitos começaram em piores condições.
Leonardo tocou à campainha, entrou e foi recebido por um homem elegante e simpático. Apresentou-se, braço direito do Dr. Vaz, André Ferreira.
Sentou-se numa saleta agradável, onde várias pessoas entravam e saiam numa correria.

Como desejava, Sofia chegou às três horas em ponto à sede do futuro do país. Uma casa simpática junto a uma escola na zona do Beato. Pensou em como nunca tinha passado ali antes, o que era estranho. Reconheceu André no meio da azáfama e falram como se se conhecessem à meia dúzia de anos. Foi simpático e mandou-a aguardar na sala ao lado. Ao entrar reparou num jovem atraente que transpirava de nervosismo e demonstrava pouco à vontade. Conteve-se e sentou-se numa cadeira junto à janela, pegou numa revista e folheou-a.

Tinham passado breves instantes até André, acompanhado do Dr. Carlos Santos Vaz, entrarem na saleta. O primeiro fez as apresentações.
- Leonardo, apresento-lhe a nossa nova colaboradora... Sofia Martins!
- Sofia, tenho a honra de lhe apresentar o futuro Presidente da Républica Portuguesa... Leonardo Alves!
Leonardo e Sofia olharam-se espantados e tal, um como o outro, não conseguiam exprimir qualquer som ao tentarem falar.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Quarto Capítulo

Leonardo entrava no seu velhinho Renault, quando foi abordado pelo homem que nunca pensaria vir a trocar algumas palavras.
- Desculpe. Bom dia! Sou o Dr. Carlos Santos Vaz. - disse exaltado após a breve corrida atrás do estranho.
- Bom dia! Precisa de alguma coisa, Sr. Dr.? É algum problema com a entrega? - respondeu Leonardo ao olhar para o homem ofegante.
- Precisava de trocar algumas opiniões consigo com alguma urgência... Poderiamos falar?!
- Eu estou em serviço, mas visto ser um dos meus patrões, tenho todo o gosto em conversarmos.
Pela mente de Leonardo tudo lhe passava. Seria alguma reclamação? Ou pior, iria ser despedido, por alguma razão que desconhecia?...
Carlos olhava-o. Analisou-o de alto a baixo e pensava para consigo. Ocorriam-lhe ideias de todos os lados. Ganharia rapidamente populariedade com uma campanha de marketing das melhores que poderiam arranjar. Dinheiro não seria problema, pois sempre tivera jeito com as palavras e a conquistar patrocinadores. Na barra do tribunal, não havia outro igual, triunfava sempre e quando não acontecia havia alguma coisa a ganhar no final das contas. Aquele homem que tinha à sua frente parecia honesto, jovem, capaz de conquistar corações, tal como um cantor romântico ou um actor galã. Tinha charme, embora se notasse a mísera educação e o estilo comum aos homens da baixa sociedade. Notavasse no rosto a dor e o sofrimento que conquistaria as avózinhas de Portugal e Carlos saberia usar isso muito bem.
Carlos entrou no que pensou ser a primeira vez num carro que criaram antes de ter nascido. Sentiu-se incomudado e não disfarçou. Leonardo notou e desculpou-se.
Andaram cerca de dez minutos até finalmente quebrar-se o silêncio. Carlos começou.
- Conheço um café simpático e discreto na linha de Sintra. Talvez seja boa ideia irmos até lá.
Ao fim de quarenta minutos e instalados no café, o qual Leonardo pensou que nunca frequentaria na vida, desenrolou-se a conversa.
- Estou a ficar curioso, Dr.! Sinceramente também um pouco nervoso.
- Esteja descançado. Não estou aqui para despedi-lo! Nunca niguém se daria ao trabalho de passear por meia Lisboa para tal coisa.
- Estou aliviado. Ainda bem. Então...
- Também não lhe estou a oferecer um aumento. - sorriu - Mas talvez seja uma espécie de aumento e também uma grande oportunidade.
Leonardo fixou-o. Que estaria a passar pela cabeça daquele desconhecido que o abordara tão ferozmente.
- O que pensa do actual Presidente, Leonardo?
- Ele tem me oferecido boas condições de trabalho, e...
- Não, meu caro. Do Presidente do país?
- Não sei o que responder a essa pergunta. Nunca pensei que viessemos aqui para discutir política.
- Seja sincero, é tudo o que lhe peço.
- O país vai de mal a pior! Cada vez se trabalha mais e não se colhe benefícios nenhuns desse esforço. Os aumentos de ordenado não acompanham os aumentos dos produtos essenciais na nossa vida, alimentação, vestuário... Eu recebi 4% de aumento no início de ano, mas paguei mais 6% pelos bens de primeira necessidade, que aumentam todos os meses para não falar todas as semanas. O que fiquei a ganhar com isso? O pior é que já nem se trabalha para ter uma velhice mais descançada, pois já não chegamos lá. A reforma é cada vez mais tardia e de certeza que quando chegar à minha vez já nem haverá reforma. O Presidente não está a ajudar o país, está a matá-lo! Está a construir um país com material podre que mais cedo ou mais tarde ruirá e aí nem mesmo ele poderá escapar das consequências. Ele e os que engordam à custa do Zé Povinho!
Leonardo corou, como nunca tinha feito antes, nem mesmo quando deu o primeiro beijo, no recreio da escola, com a Susaninha da sala ao lado.
Carlos sorriu e pensou ter encontrado um guerreiro adormecido.
- Fico contente. Quem aceita tudo como está e concorda sempre com tudo é um vencido. Não merece atenção. Quer ser um vencido? Ou um vencedor, Leonardo?
- Ninguém gosta de perder. Sempre quis ser um vencedor, mas a única coisa que ganhei na vida foi a corrida dos trinta metros no sétimo ano.
- Não diga a única coisa. É a primeira coisa... Gostava de marcar uma reunião consigo e com o meu staff político. Que tal amanhã? Depois mando confirmar.
- Reunião? Staff político? Acho que sim.
- Óptimo - Carlos riu como uma criança marota.
A conversa acabou ali, pelo menos por aquele momento. Despediram-se e Carlos saiu de táxi. Leonardo ainda tinha a entrega para fazer e já estava muito atrasado.
No caminho Leonardo pensava em tudo o que tinha acontecido e sentiu-se dentro de um filme de ficção científica, que ninguém percebe nada. Julgou-se uma vitima de algum "X-File" e pensava em como os poderosos cada vez ficavam mais excêntricos e maluquinhos. Staff politíco. Presidente da Républica. Ele lá no meio. Pela primeira vez naquele dia, naquela semana, deu uma gargalhada.

domingo, 4 de novembro de 2007

Terceiro Capítulo

A caneca da noite anterior ainda se encontrava em cima da mesinha de cabeceira. Na aparelhagem tocava a mesma música vezes sem conta, que Sofia tanto adorava. Já deveria ter ouvido pelo menos umas cinco vezes, quando retirou a cabeça de debaixo dos lençóis amarrotados. Esta manhã não estava com nenhuma disposição para se levantar da cama. No pensamento só lhe passava imagens e palavras desanimadoras. A conversa com Clara e Helena no restaurante tinha ajudado, mas Sofia ainda não estava plenamente convencida a fazer o que lhe sugeriram.
- Tenho de reagir! - disse em voz alta - Não posso ficar o dia todo na cama, como uma velha de oitenta anos que já não tem razões para se levantar...
Saltou da cama e escolheu o melhor fato que tinha, combinou acessórios, escolheu os sapatos e pensou que talvez valesse a pena pintar-se um pouco. Tinha passado uma hora a aprontar-se e pela primeira vez pensou que nunca tinha demorado tanto tempo. Apanhou o cabelo encaracolado, mostrando os brincos que a mãe lhe oferecera no Natal passado. Estava bonita, pelo menos achava que sim. Era raro pensar que estava com bom aspecto, mas hoje estava confiante.
O dia estava agradável, para um dia de inverno, pensou. Pegou pela primeira vez no cartão que Helena lhe dera com o contacto do marido. Sem pensar, pegou no telefone e ligou. Marcou uma entrevista para dali a duas horas. Nunca pensou ser tão cedo, mas parecia que por agora o Dr. Vaz não tinha muito que fazer, pois era o último dia na firma. Colocou-se a caminho. Tinha que estar no escritório pontualmente ao meio-dia.
Sofia não gostava de conduzir, por isso o carro em segunda mão que tinha adquirido à cerca de três anos ainda dáva para as suas voltinhas de fim-de-semana ou para qualquer emergência. Raramente saía do lugar número sete do estacionamento pertencente ao prédio onde resídia. Morava lá à um ano. Quando acabou o curso, alugou aquele pequeno apartamento de duas assoalhadas. Queria ser independente e sair de casa da mãe. A mãe era viúva e não concordava com a vontade dela, mas no fim acabou por aceitar, aliás se não fosse ela, nem poderia pagar a renda. Vivia bem, era professora de história numa escola básica perto de casa, dáva explicações e ainda recebia uma pequena pensão do marido que falecera à dezoito anos. Era militar, sempre ausente do lar. Sofia tinha uma irmã mais nova, chamava-se Filipa e ainda estudava. Fazia dali a dois dias, vinte anos. Andava na faculdade a estudar arquitectura. Era talentosa para as artes e muito diferente da irmã.
Naquele dia Sofia resolveu pegar no carro para dirigir-se à firma de advogados. Tinham passado apenas alguns minutos e já estava arrependida. A fila de trânsito na Avenida da Liberdade, quase imóvel, atrasou-a. Agora lembrava-se porque odiava conduzir. Colocou um cd e ouviu uma música para acalmar os nervos. Adorava ouvir músicas melódicas. Nada melhor como Norah Jones ou Michael Búble para baixar a tensão arterial.
Faltavam trinta minutos para a hora marcada quando chegou em frente ao edifício. Nunca pensou demorar tanto tempo no caminho, mas estava adiantada. Resolveu entrar num simpático café perto dali.
- Sofia! - surpreendeu-a uma voz familiar.
- Dr. Helena! Que coicindência... Não esperava encontrá-la por aqui.
- Eu muito menos. Estava a tomar um café. Hoje não tive tempo em casa. Tive um acordar infeliz! - disse - Diga-me o que faz por cá? Resolveu fazer o que lhe disse?
- Sim. Resolvi tentar a minha sorte. Tenho uma reunião marcada com o seu marido, Dr. Santos Vaz, por volta do meio-dia.
- Duvido querida Sofia! - retorquiu Helena - O malvado do meu marido saiu a correr logo pela manhã do escritório. Disseram-me que nem entrou na sala dele. Deve ter tido algum encontro de terceiro grau.- sorriu.
- Mas falei com ele!... Liguei e marcou-me para essa hora! - exclamou.
- Ele não me atende nem a mim. Deve ter falado com o André. É o babysiter! - riu - Relações públicas! Um amor! Mas venha comigo e resolvemos isso...
O telefone toca e Helena atende. Uma reunião de última hora interrompe a simpática conversa.
- Infelizmente, não posso acompanhá-la. Mas vá lá e fale com ele. É um amor! - referiu novamente.
- Ok. Muito obrigada! - sentiu Sofia necessidade de dizer. Não sabia porquê, mas agradeceu.
Helena saiu e Sofia pediu o seu café curto como gostava.
Ao meio-dia em ponto, Sofia apresentava-se no sétimo piso do edifício. A secretária que não se mostrou muito acessível, mandou-a aguardar na sala de espera. Naquele momento a sensação de dejá vú evadiu-lhe o corpo, estremecendo.
Não tinham passado cinco minutos quando pelo canto do olho esquerdo dislumbrou a silhueta de um homem. Só pensava nas palavras de Helena. Seria um amor. Um querido. Um rapaz moreno, com uma barriguinha saliente e um sorriso maroto, que fazia lembrar os rapazinhos de escola. Bem vestido, combinando cada peça ao detalhe. Reparou nos sapatos vermelhos da cor da gravata e viu logo o quanto deveria ser um "amor".
Apresentou-se. Chamava-se André Ferreira, como Helena tinha referido, era relações públicas da campanha do Dr. Santos Vaz, portanto uma recente aquisição. Deveria ter uns trinta anos, não mais, solteiro, não por opção, vivia à já dois anos com um enfermeiro, Victor. Um casal moderno. Uma óptima aquisição, pensou Sofia. Dr. Vaz sabia o que fazia. Ali ganhava muitos votos.
André mandou-a entrar para o escritório luxuoso onde se podia notar a rápida azáfama das arrumações de última hora. Cumprimentaram-se e simpatizaram logo um com o outro. Falavam como se já trabalhassem juntos à anos sobre projectos e ambições e no final da conversa a pergunta mais esperada.
- Quer trabalhar connosco Sofia?...

sábado, 3 de novembro de 2007

Segundo Capítulo

O microondas apitou. O jantar estava pronto. Durante os últimos meses as refeições naquela casa, balançavam entre os pratos congelados e as entregas em trinta minutos de pizzas ou comida chinesa. Leonardo sabia que mais cedo ou mais tarde teria de aprender a cozinhar, pelo menos um ovo estrelado, mas a falta de tempo e os dois empregos não ajudavam em muito.
Leonardo trabalhava das nove às cinco num escritório de advogados como estafeta. Quando saía ía visitar o irmão mais novo, Tiago ao lar para "pessoas especiais" e de seguida quase sem tempo para respirar entrava ao serviço como segurança no centro comercial.
Desde cedo que trabalhava para sustentar a família. Apenas frequentou a escola até fazer o 9º ano, agora ensino obrigatório. Mas quando a mãe faleceu devido a doença prolongada, uma maneira mais suave de chamar ao cancro, a vida piorou em muito.
Foi á cerca de dois anos que numa mamografia de rotina lhe foi diagnosticada a massa cancerosa na mama direita.. Depois de um primeiro choque seguiu-se a operação onde tiveram que retirar todo o peito, e as sessões de radioterapia e quimioterapia. Nunca mais voltou a ser a mesma, as constantes mal-disposições, náuseas, vómitos, tonturas, seguidas do enfraquecimento de todo o corpo doente, foi de mais e ao fim de tanto sofrimento, a morte foi uma benção. Mas não para os filhos que ficaram sozinhos. Leonardo agora tinha novas responsabilidades. Mais responsabilidades. Sozinho. Uma escolha dele, claro. Namoradas nunca faltavam, mas nunca encontrára a pessoa certa. Nenhuma queria ter a encargo um rapaz de quinze anos com sindroma de Down. Tiago, fora resultado de uma gravidez tardia, Leonardo já tinha vinte e três anos e desde o nascimento do mano mais novo que o tratava mais como um filho do que como um irmão. Para trabalhar teve de colocar o irmão num lar e para pagar o lar teve de arranjar outro emprego. Um ciclo vicioso do qual não conseguia sair. Com apenas trinta e oito anos a vida de Leonardo tinha se demonstrado cheia de dor.

Já era de madrugada, tinha que descançar. O dia seguinte ia ser cansativo.
O despertador tocou eram seis da manhã de quinta-feira. A corrida pelo parque da cidade não era dispensada. Morava desde que nasceu na cidade do Barreiro, no outro lado do Tejo, e dali só saía para o emprego em Lisboa. Mas nunca desejou nada diferente, ele sempre disse que até o ar era melhor de respirar fora da capital.
A entrada ao serviço na firma de advogados era sempre à hora certa. Nove da manhã apresentava-se para receber as primeiras missões quase impossíveis, como gostava de dizer. Quase impossíveis porque o trânsito em Lisboa era um eterno inferno na Terra. Mas nessa manhã algo parecia diferente. Estava bem disposto e pairava no ar algum murmurinho. Um dos advogados importantes ia deixar o escritório, Dr. Santos Vaz. Raramente se tinha cruzado com ele. Como empregado usava o elevador de serviço ou as escadas. Salvo o erro, tinha-se cruzado com ele duas vezes à entrada do prédio. Alto, moreno com ar latino, muito diferente dos seus cabelos louros escuros e olhos melosos.
O primeiro serviço leváva-lo ao Marquês de Pombal. Começava mal a manhã. Foi quando saía que pôde encontrar mais uma vez o homem do momento.

Dr. Carlos Santos Vaz chegou ao edifício de advogacia às nove horas e vinte minutos, atrasado como era já hábito, devido às discussões despertinas em casa. Era difícil estar casado com uma colega de profissão, ainda por cima sócia. Mais uma vez o tema da mesma foi a sua nova ocupação e a decisão de se demitir do cargo que mantia. Era um homem optimista, decidido e muito teimoso. O pior é que desta vez, talvez tivesse chegado longe demais e a mulher tivesse razão. Mas não queria acreditar nisso, nem dar o braço a torcer. Haveria de aparecer alguém especial para o lugar. Queria um bom homem, leal, bondoso, que pudesse confiar e no qual as pessoas acreditassem. Ele nunca quis ser Presidente, mas sim mandar no Presidente. Era ambicioso, mas achava que conseguiria governar um país melhor do que qualquer outro. Naquele dia isso aconteceu.
Cruzaram-se como se tivessem marcado um encontro. Um saía, o outro entrava. Bastou um olhar e Carlos imaginou o resto. Um Presidente vindo do povo, humilde e rural. Viu potencial e não esqueceu. Será que aquele homem quereria ser o seu salvador? Será que aquele homem quereria mudar de vida e mudar o rumo da História?

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Primeiro Capítulo

O relógio de pulso já marcava as onze da manhã. A sala de espera que a rodeava era igual a todas as outras em que já tinha estado. A mesa central com o monte de revistas do final do ano passado com reportagens de pessoas famosas que falavam sempre dos mesmos assuntos, a televisão ligada num dos canais generalistas que cada vez mais se tornam enfadonhos, com os mesmos anúncios e as constantes repetições e reposições, o cinzeiro sujo, cheio de beatas de antigas personagens que anteriormente tinham ocupado aquele lugar. Sentada numa cadeira, à cerca de duas horas, Sofia esperava pela sua vez. Na sala encontravam-se cerca de vinte jovens, tão ou mais jovens que ela. O ambiente era lhe demais familiar. Passara por aquele momento mais de dez vezes no último mês.
Já fizera um ano que acabara o curso de jornalismo e sem ser os seis meses de estágio num jornal regional, nunca tinha trabalhado na sua área. A entrevista estava marcada para as nove, mas o mesmo fora dito às outras candidatas. Muitas delas de melhor aparência, mas Sofia sabia que o seu curriculo era melhor do que a maioria. Acabara o curso com média de dezassete valores. O seu trabalho final sobre a escravidão infantil e o seu impacto na comunidade económica tinha maravilhado tanto os seus mentores como os redactores do jornal. Mas no final do estágio nem isso valeu, e a velha desculpa dos cortes de orçamento aplicou-se ao caso dela, deixaram de ser necessários os seus serviços, como eles gostavam de aclamar, dispensando-a. Agora ali, naquela sala de espera, só poderia mesmo esperar.
Apenas passavam dez minutos desde a última vez que olhara para o relógio, quando chamaram pelo seu nome, Sofia Martins. Acompanharam-na até a um pequeno escritório, com o que parecia toneladas de pastas em cima da mesa, um pouco desorganizada, com um computador um pouco antigo, que lhe fazia lembrar os da sua universidade. Num canto armários metálicos fechados a cadeados onde se deveria armazenar a informação mais importante. As paredes estavam repletas de molduras de diplomas e fotografias sérias de pessoas que não pareciam estranhas. Reparou então o quanto escura era aquela sala onde parecia não haver vida. Momentos depois entrou um homem bem parecido, que não deveria ter mais do que quarenta e poucos anos. O cabelo já demonstrava a idade, com pequenas madeixas cinzentas, os olhos eram verdes como as novas folhas da Primavera, e o rosto demonstrava cansaço pelo número de entrevistas que já deveria ter feito. Sentou-se numa cadeira e olhou-a fixamente. Depois falou.
- Vejo que acabou o curso recentemente e com óptimo aproveitamento. Estagiou num pequeno jornal regional, que sinceramente para mim nem se pode ter muito em conta, dado que o trabalho que lá realizava em nada se compara ao realizado aqui. Muito maior e a uma velocidade muito mais vertiginosa. Também digamos que o trabalho jornalistico aqui é muito mais sério, intenso e verdadeiramente importante. Então diga lá o que espera conseguir aqui?
Sofia olhou-o e reflectiu aquelas palavras desde o primeiro momento em que ele abriu a boca. Estava pálida ou pelo menos sentia-se sem pinga de sangue. Nunca tinha encontrado alguém que lhe despreza-se tanto o curriculo e que fosse tão frio e duro. Como fora possível que tenha por meros instantes achado aquele homem atraente. Foi directa.
- O que diz recentemente, ocorreu à cerca de um ano atrás. Acabei a minha lincenciatura em jornalismo na área das ciências políticas com média de dezassete. A minha tese de final de curso foi elogiada por parte dos meus professores... seus colegas. Passei seis meses, sim, num jornal regional que serviu de aprendizagem e no qual esperava ficar mais tempo, mas infelizmente tiveram de cortar no orçamento, e eu, visto ter sido a mais recente aquisição fui dispensada. O que eu espero conseguir aqui? A oportunidade de que quem olhe para o meu curriculo não o ache "fraco". Eu sei que posso ser uma ajuda profissional elevada, porque eu sei que sou boa naquilo que faço.
O homem mirou-a esterrecido, talvez um pouco chocado com a maneira como foi "atacado". Sofia nunca tinha conquistado nada nem ninguém com falinhas mansas. Sempre tivera sido uma rapariga rebelde, e agora uma mulher que nunca guardava nada. O que tinha de ser dito, dizia. Ainda se lembrava da altura em que não estava de acordo com a opinião de um professor e tivera uma acesa discussão durante uma aula inteira. Nunca pensava nas consequências, mas desde aquele dia era como se trabalhasse com ele e não às ordens dele. Ele adorava-a. Professor Eduardo Guimarães. Tinha cinquenta e poucos anos, sentia-o como o pai que nunca teve e sofreu bastante, quando num dia de Novembro soube que tinha sido encontrado morto na cama. Pelo menos morreu rápido e sem dor, pensava. O coração não aguentou.
Olhou-a e falou.
- É nova. Tem o sangue quente. Entraremos em contacto consigo. - Foi curto.
Sofia sabia que não tinha conseguido. Mais uma vez saía dali sem um emprego. Já esperava. O seu lado péssimista dizia-lhe, talvez tivesse culpa, talvez não, mas ela sabia que sim.

O dia estava chuvoso, abriu o chapéu de chuva vermelho e dirigiu-se para o metro. Tinha pela frente um trajecto curto, mas que parecia longo, estava deprimida. Tinha um encontro para o almoço com uma antiga colega e amiga, Clara.
Estava no segundo ano da faculdade, quando a entrar para a sala de aula, tropeçou numa rapariga loura e escanzelada. Nunca tinha reparado nela antes. Sorriu-lhe e ela notou no aparelho metálico que luzia. Sempre foi de ligar a detalhes. Falou-lhe, Clara, era assim que se chamava, vinha do Porto, tinha pedido transferência e estava lá á pouco tempo. Era simpática e queria agradar. A partir daquele momento nunca mais se largaram. Completavam-se. Uma sempre de bem com a vida, a outra sempre ás turras com a vida. Davam-se bem. Não era uma aluna brilhante, mas brilhava. Tinha acabado o curso de jornalismo à dois meses, quando arranjou trabalho numa pequena revista cor-de-rosa. Ela adorava falar da vida dos outros.
Chegou aos cinco para a uma da tarde, a um pequeno restaurante no centro da cidade de Lisboa. Estava atrasada. Clara tinha se sentado numa mesinha escondida. Estava acompanhada. Uma mulher mais velha de cabelos pretos, bem vestida, com ar importante. Sofia estudou-a por instantes. Cumprimentaram-se e sentou-se.
Advogada, Helena Santos Vaz, trinta anos. Clara estava a fazer uma reportagem com ela e já falavam como velhas amigas. "Mulheres Importantes aos 30", assim se chamava o artigo.
Sofia tinha vinte e seis anos e sabia que não seria em apenas quatro que poderia ganhar uma vida nem com dez por cento do glamour daquela mulher. Sentiu-se então uma pessoa velha.
- Olha para ti... estás com uma cara que parece que viu o Diabo! - disse Clara.
Sofia sentia-se como se o próprio Diabo a tivesse castigado.
- Mais uma resposta negativa. Mais um dia perdido. - disse.
- Aqui a Helena é que poderia dar-te uma mãozinha...
Sofia encolheu-se. Clara tinha a mania de sair-se com histórias destas. Era extrovertida demais, pensava ela.
- Claro! É jornalista em que área? Só pensa trabalhar nisso? - disse simpaticamente a advogada.
- Sou formada em Ciências Políticas. Gosto dessa área... muito.
Helena fixou-a e sorriu francamente.
- Sou casada. O meu marido também é advogado e muito sonhador. Quer encontrar o candidato perfeito ás próximas eleições presidênciais. - deu uma gargalhada - O pai dele era senador e pegou-lhe o bichinho da política. Talvez por teimosia, tirou direito, mas adora o mundo das ilusões e das mentiras.
- Talvez por isso foi para advogacia! - afirmou Sofia. Arrependeu-se.
Helena sorriu mais um pouco e continuou. O gelo quebrou-se.
- É verdade. Ele está a formar um grupo de pessoas para uma campanha política. Só ainda não tem o candidato... e você. Que tal falar com ele e ajudá-lo. Talvez precise de alguém que o chame á razão. Eu não consigo esse milagre.
Sofia nunca tinha pensado nisso. Estar por detrás de uma campanha e não a transmiti-la aos leitores. Pensava agora. Ficou com o contacto. Dr. Carlos Santos Vaz. Seria este o seu futuro?
Pareciam agora amigas de longa data. Conversaram durante horas, as três, naquele restaurante alheio a que talvez ali se fala-se sobre o possível futuro do país.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Prólogo

Existem cerca de 10,945,870 habitantes em Portugal. Segundo o último censo que data de 2006, entre os 18 e os 30 anos, o número de eleitores ronda o 1,312,898, ou seja, 11,99% da população Portuguesa jovem e maioria solteira.
Agora imaginem que nenhum ou quase nenhum destes eleitores votasse nas eleições. Perdia-se quase 12% dos votos. E se esta percentagem ajuda-se a eleger o novo Presidente da República. O que seriam capazes de fazer para conquistar os mais novos eleitores? Tudo. E se esse candidato vie-se de onde menos se espera?
Um candidato á República tem de ser de origem portuguesa, tem de ter mais de 35 anos, precisa de 7500 a 15000 propostas feitas por cidadões eleitores, tem de ir a tribunal constitucional. Um Presidente tem de ganhar por Sufrágio Universal (+50%) e tem de aguentar o "barco" por cinco anos. Poderia um simples cidadão dar um bom Presidente?
Quando a taxa de desemprego aumenta, principalmente entre os licenciados, poderia a política valer a muitos desempregados?
As respostas a estas perguntas??
Numa história politicamente incorrecta.