domingo, 4 de novembro de 2007

Terceiro Capítulo

A caneca da noite anterior ainda se encontrava em cima da mesinha de cabeceira. Na aparelhagem tocava a mesma música vezes sem conta, que Sofia tanto adorava. Já deveria ter ouvido pelo menos umas cinco vezes, quando retirou a cabeça de debaixo dos lençóis amarrotados. Esta manhã não estava com nenhuma disposição para se levantar da cama. No pensamento só lhe passava imagens e palavras desanimadoras. A conversa com Clara e Helena no restaurante tinha ajudado, mas Sofia ainda não estava plenamente convencida a fazer o que lhe sugeriram.
- Tenho de reagir! - disse em voz alta - Não posso ficar o dia todo na cama, como uma velha de oitenta anos que já não tem razões para se levantar...
Saltou da cama e escolheu o melhor fato que tinha, combinou acessórios, escolheu os sapatos e pensou que talvez valesse a pena pintar-se um pouco. Tinha passado uma hora a aprontar-se e pela primeira vez pensou que nunca tinha demorado tanto tempo. Apanhou o cabelo encaracolado, mostrando os brincos que a mãe lhe oferecera no Natal passado. Estava bonita, pelo menos achava que sim. Era raro pensar que estava com bom aspecto, mas hoje estava confiante.
O dia estava agradável, para um dia de inverno, pensou. Pegou pela primeira vez no cartão que Helena lhe dera com o contacto do marido. Sem pensar, pegou no telefone e ligou. Marcou uma entrevista para dali a duas horas. Nunca pensou ser tão cedo, mas parecia que por agora o Dr. Vaz não tinha muito que fazer, pois era o último dia na firma. Colocou-se a caminho. Tinha que estar no escritório pontualmente ao meio-dia.
Sofia não gostava de conduzir, por isso o carro em segunda mão que tinha adquirido à cerca de três anos ainda dáva para as suas voltinhas de fim-de-semana ou para qualquer emergência. Raramente saía do lugar número sete do estacionamento pertencente ao prédio onde resídia. Morava lá à um ano. Quando acabou o curso, alugou aquele pequeno apartamento de duas assoalhadas. Queria ser independente e sair de casa da mãe. A mãe era viúva e não concordava com a vontade dela, mas no fim acabou por aceitar, aliás se não fosse ela, nem poderia pagar a renda. Vivia bem, era professora de história numa escola básica perto de casa, dáva explicações e ainda recebia uma pequena pensão do marido que falecera à dezoito anos. Era militar, sempre ausente do lar. Sofia tinha uma irmã mais nova, chamava-se Filipa e ainda estudava. Fazia dali a dois dias, vinte anos. Andava na faculdade a estudar arquitectura. Era talentosa para as artes e muito diferente da irmã.
Naquele dia Sofia resolveu pegar no carro para dirigir-se à firma de advogados. Tinham passado apenas alguns minutos e já estava arrependida. A fila de trânsito na Avenida da Liberdade, quase imóvel, atrasou-a. Agora lembrava-se porque odiava conduzir. Colocou um cd e ouviu uma música para acalmar os nervos. Adorava ouvir músicas melódicas. Nada melhor como Norah Jones ou Michael Búble para baixar a tensão arterial.
Faltavam trinta minutos para a hora marcada quando chegou em frente ao edifício. Nunca pensou demorar tanto tempo no caminho, mas estava adiantada. Resolveu entrar num simpático café perto dali.
- Sofia! - surpreendeu-a uma voz familiar.
- Dr. Helena! Que coicindência... Não esperava encontrá-la por aqui.
- Eu muito menos. Estava a tomar um café. Hoje não tive tempo em casa. Tive um acordar infeliz! - disse - Diga-me o que faz por cá? Resolveu fazer o que lhe disse?
- Sim. Resolvi tentar a minha sorte. Tenho uma reunião marcada com o seu marido, Dr. Santos Vaz, por volta do meio-dia.
- Duvido querida Sofia! - retorquiu Helena - O malvado do meu marido saiu a correr logo pela manhã do escritório. Disseram-me que nem entrou na sala dele. Deve ter tido algum encontro de terceiro grau.- sorriu.
- Mas falei com ele!... Liguei e marcou-me para essa hora! - exclamou.
- Ele não me atende nem a mim. Deve ter falado com o André. É o babysiter! - riu - Relações públicas! Um amor! Mas venha comigo e resolvemos isso...
O telefone toca e Helena atende. Uma reunião de última hora interrompe a simpática conversa.
- Infelizmente, não posso acompanhá-la. Mas vá lá e fale com ele. É um amor! - referiu novamente.
- Ok. Muito obrigada! - sentiu Sofia necessidade de dizer. Não sabia porquê, mas agradeceu.
Helena saiu e Sofia pediu o seu café curto como gostava.
Ao meio-dia em ponto, Sofia apresentava-se no sétimo piso do edifício. A secretária que não se mostrou muito acessível, mandou-a aguardar na sala de espera. Naquele momento a sensação de dejá vú evadiu-lhe o corpo, estremecendo.
Não tinham passado cinco minutos quando pelo canto do olho esquerdo dislumbrou a silhueta de um homem. Só pensava nas palavras de Helena. Seria um amor. Um querido. Um rapaz moreno, com uma barriguinha saliente e um sorriso maroto, que fazia lembrar os rapazinhos de escola. Bem vestido, combinando cada peça ao detalhe. Reparou nos sapatos vermelhos da cor da gravata e viu logo o quanto deveria ser um "amor".
Apresentou-se. Chamava-se André Ferreira, como Helena tinha referido, era relações públicas da campanha do Dr. Santos Vaz, portanto uma recente aquisição. Deveria ter uns trinta anos, não mais, solteiro, não por opção, vivia à já dois anos com um enfermeiro, Victor. Um casal moderno. Uma óptima aquisição, pensou Sofia. Dr. Vaz sabia o que fazia. Ali ganhava muitos votos.
André mandou-a entrar para o escritório luxuoso onde se podia notar a rápida azáfama das arrumações de última hora. Cumprimentaram-se e simpatizaram logo um com o outro. Falavam como se já trabalhassem juntos à anos sobre projectos e ambições e no final da conversa a pergunta mais esperada.
- Quer trabalhar connosco Sofia?...

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