segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Quarto Capítulo

Leonardo entrava no seu velhinho Renault, quando foi abordado pelo homem que nunca pensaria vir a trocar algumas palavras.
- Desculpe. Bom dia! Sou o Dr. Carlos Santos Vaz. - disse exaltado após a breve corrida atrás do estranho.
- Bom dia! Precisa de alguma coisa, Sr. Dr.? É algum problema com a entrega? - respondeu Leonardo ao olhar para o homem ofegante.
- Precisava de trocar algumas opiniões consigo com alguma urgência... Poderiamos falar?!
- Eu estou em serviço, mas visto ser um dos meus patrões, tenho todo o gosto em conversarmos.
Pela mente de Leonardo tudo lhe passava. Seria alguma reclamação? Ou pior, iria ser despedido, por alguma razão que desconhecia?...
Carlos olhava-o. Analisou-o de alto a baixo e pensava para consigo. Ocorriam-lhe ideias de todos os lados. Ganharia rapidamente populariedade com uma campanha de marketing das melhores que poderiam arranjar. Dinheiro não seria problema, pois sempre tivera jeito com as palavras e a conquistar patrocinadores. Na barra do tribunal, não havia outro igual, triunfava sempre e quando não acontecia havia alguma coisa a ganhar no final das contas. Aquele homem que tinha à sua frente parecia honesto, jovem, capaz de conquistar corações, tal como um cantor romântico ou um actor galã. Tinha charme, embora se notasse a mísera educação e o estilo comum aos homens da baixa sociedade. Notavasse no rosto a dor e o sofrimento que conquistaria as avózinhas de Portugal e Carlos saberia usar isso muito bem.
Carlos entrou no que pensou ser a primeira vez num carro que criaram antes de ter nascido. Sentiu-se incomudado e não disfarçou. Leonardo notou e desculpou-se.
Andaram cerca de dez minutos até finalmente quebrar-se o silêncio. Carlos começou.
- Conheço um café simpático e discreto na linha de Sintra. Talvez seja boa ideia irmos até lá.
Ao fim de quarenta minutos e instalados no café, o qual Leonardo pensou que nunca frequentaria na vida, desenrolou-se a conversa.
- Estou a ficar curioso, Dr.! Sinceramente também um pouco nervoso.
- Esteja descançado. Não estou aqui para despedi-lo! Nunca niguém se daria ao trabalho de passear por meia Lisboa para tal coisa.
- Estou aliviado. Ainda bem. Então...
- Também não lhe estou a oferecer um aumento. - sorriu - Mas talvez seja uma espécie de aumento e também uma grande oportunidade.
Leonardo fixou-o. Que estaria a passar pela cabeça daquele desconhecido que o abordara tão ferozmente.
- O que pensa do actual Presidente, Leonardo?
- Ele tem me oferecido boas condições de trabalho, e...
- Não, meu caro. Do Presidente do país?
- Não sei o que responder a essa pergunta. Nunca pensei que viessemos aqui para discutir política.
- Seja sincero, é tudo o que lhe peço.
- O país vai de mal a pior! Cada vez se trabalha mais e não se colhe benefícios nenhuns desse esforço. Os aumentos de ordenado não acompanham os aumentos dos produtos essenciais na nossa vida, alimentação, vestuário... Eu recebi 4% de aumento no início de ano, mas paguei mais 6% pelos bens de primeira necessidade, que aumentam todos os meses para não falar todas as semanas. O que fiquei a ganhar com isso? O pior é que já nem se trabalha para ter uma velhice mais descançada, pois já não chegamos lá. A reforma é cada vez mais tardia e de certeza que quando chegar à minha vez já nem haverá reforma. O Presidente não está a ajudar o país, está a matá-lo! Está a construir um país com material podre que mais cedo ou mais tarde ruirá e aí nem mesmo ele poderá escapar das consequências. Ele e os que engordam à custa do Zé Povinho!
Leonardo corou, como nunca tinha feito antes, nem mesmo quando deu o primeiro beijo, no recreio da escola, com a Susaninha da sala ao lado.
Carlos sorriu e pensou ter encontrado um guerreiro adormecido.
- Fico contente. Quem aceita tudo como está e concorda sempre com tudo é um vencido. Não merece atenção. Quer ser um vencido? Ou um vencedor, Leonardo?
- Ninguém gosta de perder. Sempre quis ser um vencedor, mas a única coisa que ganhei na vida foi a corrida dos trinta metros no sétimo ano.
- Não diga a única coisa. É a primeira coisa... Gostava de marcar uma reunião consigo e com o meu staff político. Que tal amanhã? Depois mando confirmar.
- Reunião? Staff político? Acho que sim.
- Óptimo - Carlos riu como uma criança marota.
A conversa acabou ali, pelo menos por aquele momento. Despediram-se e Carlos saiu de táxi. Leonardo ainda tinha a entrega para fazer e já estava muito atrasado.
No caminho Leonardo pensava em tudo o que tinha acontecido e sentiu-se dentro de um filme de ficção científica, que ninguém percebe nada. Julgou-se uma vitima de algum "X-File" e pensava em como os poderosos cada vez ficavam mais excêntricos e maluquinhos. Staff politíco. Presidente da Républica. Ele lá no meio. Pela primeira vez naquele dia, naquela semana, deu uma gargalhada.

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