quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Décimo Terceiro Capítulo

O jantar tinha sido calmo e reconfortante. A conversa da noite anterior ocupava-lhe todo o pensamento. Agradava-lhe aquele sentimento e aquela sensação que tomava conta de si. Tinha tido saudades de sentir tudo aquilo outra vez. Foi nesse momento que por alguns segundos, Leonardo evadiu-lhe o pensamento. Não sabia porquê naquela altura em que revivia momentos felizes lembrava do homem rude que era Leonardo. Sentia um ódio de estimação por aquela figura. Porque pensava nele agora? Estaria dividida entre dois homens? Ou apenas pensava em compará-los?
Luís era culto, atraente, amigo, ao fimdas contas adorava-o. Leonardo era estranho, bruto, atraente, muito bonito. Sofia acordou. Como poderia pensar que Leonardo era atraente e bonito? Nunca. Era horrível.
Acordara relativamente tarde. Deitara-se de madrugada e decidira ficar na cama mais umas horitas, mas agora já passara tempo demais a preguiçar. Passavam das dez da manhã e o encontro com Carolina não tardaria. Combinaram um breve almoço num café que ela indicara. Era uma mulher ocupada e não disponha de muito tempo para as refeições. Tratava-se agora de uma advogada reconhecida pelos seus colegas, boa profissional e modéstia à parte caríssima. Digamos que só os poderoso e ricos disponham dos seus serviços. Localizá-la no Porto tinha sido um martírio e quando falara com ela ao telefone, mostrara-se reticente em aceitar o encontro. Sofia acreditava que ela tentava evitar o assunto, Leonardo, embora também teria sido para saber algo sobre ele e matar certas saudades que teria aceite.
Às duas horas em ponto, Carolina e Sofia encontraram-se. Sofia sabia que com ela não poderia usar o discurso que usára com as outras, por isso resolveu dar a volta ao assunto de uma outra maneira.
- Sofia Martins, suponho!?
- Boa tarde! Carolina O'Neill?
- Sei que não nos conhecemos, por isso digo desde já para ir directa ao assunto... Tempo é dinheiro.
Carolina não era diferente de qualquer outra pessoa que rodeava Carlos, fria e dura. Muito diferente da pessoa doce que transmitia naquela fotografia tirada à cerca de dois anos. Mudara bastante, o longo cabelo ruivo dava agora lugar a um corte curto e direito. O tom escurecera um pouco também. O vestuário era pesado. Fatos escuros e adereços inexistentes, fora o relógio de pulso e as pequenas pérolas nas orelhas. Parecia uma máquina.
- Muito bem! - disse Sofia - Sou jornalista. Conheci o Leonardo Alves quando fizera uma reportagem na firma do Dr. Carlos Vaz, onde penso que estagiou. - quando Sofia falou no nome de Leonardo, os olhos sem vida de Carolina, brilharam pela primeira vez - Metemos conversa e ele disse que já tinha namorado com uma advogada. Você!
- Ele disse isso?! Lamento informá-la, mas não foi bem um namoro. Gostava de me relacionar com ele. Era diferente de mim. Sinceramente, usei-o para chatear os meus pais. Resultou! - foi directa.
Sofia continuou.
- Pois, então. Agora estou interessada em fazer uma reportagem sobre opostos que se atraem. Casais que têm trabalhos completamente diferentes. Até agora tenho dois. Uma médica com um padeiro e um estafeta com uma advogada. - Sofia esperou a reacção.
- Sinceramente creio que só tem um. A minha relação com o Leonardo terminou à muito tempo e não tenciono falar dela. Se ele quiser que fale, mas eu espero que sem a minha permissão não faça nada, se não teremos chatices. - terminou Carolina, pedido a conta da mísera refeição que fizera.
- A Drª. tem a certeza que não gostaria de falar do assunto?
- Toda a certeza. Simplesmente acabamos tudo à dois anos, doeu por um tempo, teve consequências, mas é um assunto morto e enterrado. Agora se não se importa, tenho um julgamento às três.
- Obrigada. Se quiser falar algo...
Carolina não deixou Sofia acabar de falar e saiu a correr. Foi na reacção e nas últimas palavras de Carolina que Sofia ficou a pensar. "Teve consequências", o que queria ela dizer com isso? Com isto resolveu prolongar a sua estada no Porto por mais um dia.
Na manhã seguinte, Sofia resolveu ir até ao escritório de Carolina para tentar falar com ela mais uma vez. Quando lá chegou para sua surpresa, a secretária avisou-a que a doutora tinha ficado doente e telefonara a desmarcar todos os compromissos. Sofia pensava que uma mulher tão ocupada e com tanto amor ao trabalho, não tinha tempo nem para pensar em doenças, quanto mais em ficar doente. Com falinhas mansas, lá conseguiu a morada de Carolina e colocou-se a caminho.
Ao contrário do que pensava, Carolina não morava no centro do Porto. A casa localizava-se numa terrinha a alguns quilómetros, Amarante. Alugara um carro e embora pensasse que se iria perder, deu bem com o destino.
Era uma casa imponente, mas que não se conseguia ver do portão. O longo percurso até ao largo da casa escondia-a atrás de árvores e vinhas. Era um casarao muito belo, com pedras embatidas que lembravam as velhas casinhas de aldeia. Sem dúvida, uma casa de sonho. Foi recebida por uma senhora que toma conta da casa, uma espécie de governanta. Conduziu-a a uma sala no r/chão, muito agradável, decorada com o melhor gosto, em tons de castanho e pastel. Não tinham passado cinco minutos desde a sua chegada, quando uma Carolina mais descontraída a apanhou de surpresa.
- Nunca pensei que quando me avisaram de uma visita, se trata-se de você?
- Desculpe a intromissão, mas o nosso almoço no outro dia não me esclareceu em nada.
- Não era para esclarecer. Queria apenas avisar o meu descontentamento em relação à questão do artigo com o meu nome.
- Não a queria ofender, mas à alguma razão grave para não querer ver o seu nome relacionado com o de um estafeta? Ou apenas é algum tipo de discriminação?
- Discriminação? Claro que não! Só não quero mexer em feridas antigas...
- Feridas antigas? Da parte do Sr. Alves não à feridas. Nunca pensei que não seria assim das duas partes.
- O que lhe disser ficará só entre nós?
- Claro. Não possuo nenhum tipo de gravador, se é o que pergunta.
- Quando acabamos e eu vim para o Porto, eu estava grávida de dois meses. Talvez por andar sempre stressada nunca tinha reparado no meu atraso. Mas quando me vi sozinha e com uma carreira de sucesso a fugir, decidi arcar com este problema sem meter o Leonardo no meio. Ele nunca soube. Depois os meus pais vieram viver para o Porto e tudo foi se esquecendo.
- Vocês têm um filho?! - Sofia havia ficado atónica. Sentia-se sem pulsação, tamanho era o choque.
- Não, não. Eu abortei em segredo. Nunca ninguém soube. Só agora você.
- Incrível! Não sei o que dizer.
- Nem sei como no final destes anos, eu conto tudo. E logo para si. - respirou fundo e continuou - Está a ver porque não queria falar de Leonardo e da nossa relaçao.
- Compreendo. Sera um segredo só nosso. Bem vou me embora, então, um bom resto de dia e as melhoras...
- As melhoras??
- Está doente, não está?
- Oh, sim. Obrigada Sofia.
Aquela imagem ficou retida na memória de Sofia e enquanto fazia o caminho de regresso à pensão, pensava se seria mesmo um segredo só delas ou diria alguma coisa ao Carlos e ao André. O que iria fazer? O que pensava agora de Leonardo? A culpa seria dele e Carolina estava a protegê-lo? Ou ele seria mesmo inocente?

Sem comentários: