segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Décimo Capítulo

Leonardo acordára cedo como de costume, mas hoje não lhe esperava um longo trajecto para o emprego. Ainda estranhava a nova vida, mas acima de tudo estranhava aquela casa. Estava habituado à casa antiga. Vivera sempre nela, primeiro com os pais, depois com a mãe e o irmão e por fim sozinho. Aquela casa era maior, fria e muito branca. Leonardo achava que se parecia a uma grande arca frigorífica onde se ia conservando até chegar a hora de ser exibido.
Carlos mandava-lhe todas as manhãs um carro com motorista para o levar até ao Beato. Nunca andára num carro último modelo. Mais uma das novas coisas na sua vida.
Já fizera uma semana desde o dia em que o convenceram a aceitar esta proposta maluca. Desde então o desejo de trazer o seu irmão Tiago para junto de si tinha sido esquesido por Carlos, André e Sofia. Pior que isso, com tantos compromissos nunca mais tinha visto o mano mais novo. Tudo isto fazia-o sentir-se ainda mais em baixo.
O dia de trabalho começava com algumas noções de política dadas por Carlos. Sentira-se um professor e gostava disso. Carlos tentava moldar um novo homem, o que não era nada fácil, moldar Leonardo era ainda mais difícil. Carlos achava-o um aluno rebelde.
Leonardo sentia-se como uma criança num colégio novo, pressionado e invergonhado. Com os seus trinta e oito anos, Leonardo sentia-se sem forças para aprender tudo de novo. Quando deixou de estudar, ficára triste, mas agora com tantos anos passados sentia que já não tinha idade para aprender. Sentia-se um velho. Mas Carlos demonstrava paciência e isso de certa forma, encorajava-o.
A espécie de escola montada no primeiro andar da moradia, ficava preenchida por apenas três homens. Carlos, André e Leonardo fechavam-se durante as últimas horas da manhã.
Após o almoço apressado, Leonardo, Carlos e André colocaram-se a caminho de um pequeno encontro político em casa do advogado. Helena não aprovára muito, mas organizára uma pequena reunião para alguns contactos importantes. Uma pequena reunião, como os Vaz chamavam, era um encontro com cerca de cento e cinquenta pessoas. Entre advogados, juízes, médicos, políticos e empresários, a reunião estava recheada de figurões da sociedade portuguesa. Quando a pequena mansão começou a encher, Leonardo começou a sentir-se cada vez mais com uma certa apneia. A constante falta de ar perseguiu-o naquela tarde amena, entre apresentações e apertos de mão. Leonardo sentia-se abafar naquele ambiente fútil. Quando conseguiu fugir, refugiou-se num jardim agradável.
O jardim estendia-se num pequeno corredor replecto de flores da estação e vedações amarelas e acastanhadas. Era acolhedor. No fim do corredor abençoado pela beleza, encontrava-se um largo com uma fonte bonita, ali poderia esconder-se uns breves momentos. A fonte fazia lembrar as que vinham nos roteiros turisticos italianos. Um anjo muito bonito abençoava a água que dele nascia. Sentou-se num pequeno banco de pedra mármore que se encontrava junto da fonte, a admirá-la. Transmitia paz. Dali podia observar melhor a casa, o jardim e uma pequena estufa de Inverno que via a cerca de duzentos metros. Foi quando se encontrava perdido nos seus mais profundos pensamentos e reflectindo os últimos acontecimentos que uma voz feminina o acordou.
- Pensando no Inferno em que se meteu?! - disse Helena com um sorriso. Trazia as faces rosadas e uma enchárpe vermelha em volta dos ombros, que fazia sobressair mais esse pormenor. Dáva a entender que estaria a ficar febril ou então seria o efeito que o álcool faz a algumas pessoas. Bebera demais. Sentia-se afrontada na própria casa. Era contra a nova opcção do marido e não fazia o favor de esconder.
- Sim, de certa forma! - explicou Leonardo.
- Agora não vale a pena, meu amigo! Lamento dizer-lhe mas já vendeu a alma ao Diabo! Mas não fique assim porque vai chegar onde quiser...
- Não posso vender o que não é meu! A minha alma pertence a Deus, não a mim... Mas acho que tem razão nunca deveria me ter metido nisto.
- Ninguém deveria se meter nisto. É triste mas é verdade... não á salvação para aquilo que já está morto. Portugal morreu!
- Está bem, Dr. Helena?
- Óptima! Nunca estive melhor. Sabe o meu marido nunca foi um marido exemplar. Nunca me dispendeu muita atenção, mas agora passei a ter a mesma importância que qualquer jarra cara da nossa casa.
Leonardo naquele momento apenas viu uma mulher e não uma doutora advogada, dura e fria. Jura que vislumbrou uma lágrima no canto do olho de Helena.
- Helena querida! Talvez seja melhor ir para dentro. - interrompeu André - Leonardo meu querido, desculpe qualquer coisa...
E assim arrastou aquela mulher ferida para o interior da casa. Leonardo sentiu-se sem acção e pensou mais uma vez no mundo em que agora entrava. Temeu pela primeira vez tornar-se frio e implacável como aquela gente engravatada. Caiu a noite naquele jardim e Leonardo deixou-se ficar sentado, perdido naquele banco de pedra.

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