sábado, 3 de novembro de 2007

Segundo Capítulo

O microondas apitou. O jantar estava pronto. Durante os últimos meses as refeições naquela casa, balançavam entre os pratos congelados e as entregas em trinta minutos de pizzas ou comida chinesa. Leonardo sabia que mais cedo ou mais tarde teria de aprender a cozinhar, pelo menos um ovo estrelado, mas a falta de tempo e os dois empregos não ajudavam em muito.
Leonardo trabalhava das nove às cinco num escritório de advogados como estafeta. Quando saía ía visitar o irmão mais novo, Tiago ao lar para "pessoas especiais" e de seguida quase sem tempo para respirar entrava ao serviço como segurança no centro comercial.
Desde cedo que trabalhava para sustentar a família. Apenas frequentou a escola até fazer o 9º ano, agora ensino obrigatório. Mas quando a mãe faleceu devido a doença prolongada, uma maneira mais suave de chamar ao cancro, a vida piorou em muito.
Foi á cerca de dois anos que numa mamografia de rotina lhe foi diagnosticada a massa cancerosa na mama direita.. Depois de um primeiro choque seguiu-se a operação onde tiveram que retirar todo o peito, e as sessões de radioterapia e quimioterapia. Nunca mais voltou a ser a mesma, as constantes mal-disposições, náuseas, vómitos, tonturas, seguidas do enfraquecimento de todo o corpo doente, foi de mais e ao fim de tanto sofrimento, a morte foi uma benção. Mas não para os filhos que ficaram sozinhos. Leonardo agora tinha novas responsabilidades. Mais responsabilidades. Sozinho. Uma escolha dele, claro. Namoradas nunca faltavam, mas nunca encontrára a pessoa certa. Nenhuma queria ter a encargo um rapaz de quinze anos com sindroma de Down. Tiago, fora resultado de uma gravidez tardia, Leonardo já tinha vinte e três anos e desde o nascimento do mano mais novo que o tratava mais como um filho do que como um irmão. Para trabalhar teve de colocar o irmão num lar e para pagar o lar teve de arranjar outro emprego. Um ciclo vicioso do qual não conseguia sair. Com apenas trinta e oito anos a vida de Leonardo tinha se demonstrado cheia de dor.

Já era de madrugada, tinha que descançar. O dia seguinte ia ser cansativo.
O despertador tocou eram seis da manhã de quinta-feira. A corrida pelo parque da cidade não era dispensada. Morava desde que nasceu na cidade do Barreiro, no outro lado do Tejo, e dali só saía para o emprego em Lisboa. Mas nunca desejou nada diferente, ele sempre disse que até o ar era melhor de respirar fora da capital.
A entrada ao serviço na firma de advogados era sempre à hora certa. Nove da manhã apresentava-se para receber as primeiras missões quase impossíveis, como gostava de dizer. Quase impossíveis porque o trânsito em Lisboa era um eterno inferno na Terra. Mas nessa manhã algo parecia diferente. Estava bem disposto e pairava no ar algum murmurinho. Um dos advogados importantes ia deixar o escritório, Dr. Santos Vaz. Raramente se tinha cruzado com ele. Como empregado usava o elevador de serviço ou as escadas. Salvo o erro, tinha-se cruzado com ele duas vezes à entrada do prédio. Alto, moreno com ar latino, muito diferente dos seus cabelos louros escuros e olhos melosos.
O primeiro serviço leváva-lo ao Marquês de Pombal. Começava mal a manhã. Foi quando saía que pôde encontrar mais uma vez o homem do momento.

Dr. Carlos Santos Vaz chegou ao edifício de advogacia às nove horas e vinte minutos, atrasado como era já hábito, devido às discussões despertinas em casa. Era difícil estar casado com uma colega de profissão, ainda por cima sócia. Mais uma vez o tema da mesma foi a sua nova ocupação e a decisão de se demitir do cargo que mantia. Era um homem optimista, decidido e muito teimoso. O pior é que desta vez, talvez tivesse chegado longe demais e a mulher tivesse razão. Mas não queria acreditar nisso, nem dar o braço a torcer. Haveria de aparecer alguém especial para o lugar. Queria um bom homem, leal, bondoso, que pudesse confiar e no qual as pessoas acreditassem. Ele nunca quis ser Presidente, mas sim mandar no Presidente. Era ambicioso, mas achava que conseguiria governar um país melhor do que qualquer outro. Naquele dia isso aconteceu.
Cruzaram-se como se tivessem marcado um encontro. Um saía, o outro entrava. Bastou um olhar e Carlos imaginou o resto. Um Presidente vindo do povo, humilde e rural. Viu potencial e não esqueceu. Será que aquele homem quereria ser o seu salvador? Será que aquele homem quereria mudar de vida e mudar o rumo da História?

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