quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Décimo Primeiro Capítulo

O dia tinha amanhecido chuvoso, o céu estava carregado de grandes nuvens cinzentas, as ruas estavam pesadas e escuras e na beira das estradas formavam-se pequenos lagos que se tornavam desconfortáveis à passagem de algum condutor desenfreado. Então, as pessoas nos passeios, molhadas palrreavam para os motoristas, demonstrando o mau humor característico dos portugueses naqueles dias tristes.
Na pequena mala de viagem apenas se encontravam duas mudas de roupa. A estadia seria curta e não havia razão para mais apetrechos. Já estava arrumada junto à porta da entrada desde a noite anterior. Sofia dormira mal e cedo se arranjou para sair, para o curto trajecto até à estação de Santa Apolónia. Decidira ir para o Porto de comboio, era confortável, mais rápido e assim teria tempo para resolver algum assunto de trabalho enquanto percorria os largos quilómetros até à capital nortenha. Nunca tinha viajado de Alpha Pendular, seria uma estreia, que esperava que fosse agradável. O encontro com Carolina iria ter lugar no dia seguinte num café ao largo da nova Casa da Música.
Carolina era mais nova que Leonardo. Pelas informações retiradas a ferros do candidato, ela teria cerca de trinta anos e envolveram-se à mais ou menos dois. Sofia achára extraordinário o modo como Leonardo havia conhecido aquela mulher. Era diferente de todas as outras namoradas e Sofia não sabia o que iria encontrar. Embora todas as mulheres da vida de Leonardo fossem incrivelmente bonitas, aquela em especial transmitia uma sensualidade inigualável. Na fotografia que Sofia segurava, saltava à vista a sua enorme cabeleira cor do fogo e os olhos da cor da erva de Primavera. Uma mistura explosiva, pensou. Não era muito sardenta, caracteristica natural nas pessoas ruivas, tinha a pele branca, muito branca. Leonardo contára que Carolina O'Neill tinha sangue escocês. O pai conhecera a mãe na Escócia. Ele um filho da terra, ela uma nova rica de férias naquele paraíso gelado. Carolina já nascera em Portugal, mas as raízes estavam bem enterradas naquele país. Tinha posses e estudos, era o oposto de Leonardo. Estagiára na firma de advogados, uma doutora. Assim se conheceram, ela advogada, ele estafeta. Ele sempre achara que ela apenas o aturava para fazer frente aos pais e quando de repente vem com a conversa de sairem de Lisboa, Leonardo terminou a relação. Desde aquele dia que nunca mais a viu. Partira sem se despedir nem brigar.
Agora a caminho do Porto, com o colo repleto de papeís e documentos, Sofia descansava, sentia-se calma e sem forças. Adormeceu.
O sono tinha durado cerca de uma hora, quando acordou sobressaltada. Chegava à estação da Campanhã em menos de uma hora. Nem acreditara que já estava ali sentada à mais ou menos duas horas. A parte de baixo do corpo encontrava-se toda dormente, da posição em que se encontrava. As pernas custavam a responder aos impulsos e os pés tinham gelado. Pensou em como era difícil estar parada tanto tempo. Era uma mulher em constante movimento e esperar era a pior coisa que lhe podiam pedir. Resolveu levantar-se e ir até à carruagem restaurante. Era quase quatro da tarde e não almoçara, o remoinho no estômago recordava-a desse facto. Arrumou a papelada na pasta e pegou nela e na mala de mão.
A carruagem era simpática, pediu um café e uma sandes e esperou um pouco ao balcão. Foi quando se encontrava perdida na paisagem que via pela janela, quando chamaram pelo seu nome.
- Sofia! Sofia Martins!
De regresso ao comboio, Sofia ficou confusa e pensou ouvir mal.
- Sofia Martins! Aqui...
Sofia percorreu toda a carruagem com os olhos curiosos e ansiosos por fazer corresponder a voz à imagem. Reconhecia-a. Foi passado esse breve minuto que o seu olhar cruzou um olhar terno e familiar.
- Não posso acreditar! Luís?! - sorriu.
- Querida Sofia! Que fazes por aqui? Andas perdida?
- Eu venho ao Porto em trabalho. Tenho uma reunião com uma advogada. Mas, e tu? Conta-me o que fazes por aqui. E a andar de transportes públicos. Nunca pensei que o automóvel-dependente pudesse deixar o seu "menino" e andar com os comuns mortais num comboio...
- Estás a gozar comigo! Não sabes que agora é chic andar de transportes. - riu - É mais rápido! Também venho a trabalho. Uma entrevista com um actorzeco que agora anda na moda. Todas as raparigotas andam atrás do rapaz. E tu, então, reuniões com advogados? Mudaste de profissão sem avisares ou estás metida em algum sarilho?
- Nem uma coisa nem outra... O que pensas que sou?! Parece que já não me conheces. É só um trabalho de investigação. Uma longa história.
Conversaram durante o resto do percurso até chegar ao destino. Combinaram encontrarem-se para jantar e falar mais um pouco. Recordar o passado.
Entraram juntos para a universidade, Luís e Sofia. Amigos desde o secundário, foi durante o primeiro ano de faculdade que a amizade que os unia cresceu, talvez por isso achassem que a partir dali deveriam namorar. Ficaram juntos durante dois anos, embora no último já tivesse sido através de cartas, telefonemas e nada mais. Luís foi para fora estudar. Estudou em Inglaterra e embora a amizade tivesse continuado, foram raras as vezes que se haviam encontrado nos últimos anos. Luís estava diferente, mas continuava muito atraente. Sofia sempre tivera bem gosto e aquele mestiço conquistara-a para sempre, como amigo e até como amante. Tinha sentido a sua falta, mas com o passar do tempo e a amizade com Clara, tudo tinha aliviado. Agora naquela pensão, lembrava os velhos tempos, os velhos sentimentos e ansiava o encontro ao jantar. Foi nesse momento que pela primeira vez pensou no que realmente queria.

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