quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Sétimo Capítulo

O dia que outrora parecera tão promissor transformara-se. Momentos surpreendentes e de alguma forma chocantes preenchiam cada minuto que passava.
Já passara das seis da tarde e a moradia que antes parecia a estação de Stª. Apolónia em hora de ponta não produzia qualquer som. O silêncio inundára todas as divisões daquela casa. As pessoas tinham abandonado as instalações e agora apenas restavam os quatro. A noite começara a cair cedo, como em qualquer dia de inverno, ao menos alguma coisa mantinha a normalidade.
Leonardo já tinha atingindo um estado mais calmo e reflectido em tudo o que ouvira e dissera. Por meros instantes, tudo aquilo fez sentido e pensou que talvez o seu caminho, a sua vida, pudesse seguir aquela direcção. Talvez o seu futuro não fosse viver uma vida de esforço e sacríficio. Aceitou por momentos uma hipótese impensável e pela primeira vez decidiu ser egoísta. Ponderou e disse aquilo que mais se desejava ouvir.
- Se acham que eu posso conseguir... se me vão ajudar e dar uma hipótese de melhorar na vida. Eu aceito! - e o silêncio foi quebrado.
Sofia que ainda retia alguma esperança de uma negação por parte de Leonardo, transmitia agora desilusão, que ficava bem explicita no seu rosto pálido.
- Muito bem! Vamos a isto. - inrrompeu Sofia no ambiente circundante.
Leonardo só pensava no significado daquelas palavras. O que lhe esperaria? Quando pensava que o dia tinha terminado ali, estava bem enganado, apenas começara no momento em que aceitara.
- Meu caro Leonardo! Sente-se e coloque-se à vontade. Vamos ter muito trabalho pela noite dentro e é melhor começar no que deseja jantar, para encomendar, pois daqui não vamos sair sem saber a sua vidinha toda. - disse Carlos com um sorriso no canto da boca que não conseguira disfarçar.
- Tenho aqui uma lista de questões para lhe fazer, meu querido. - afirmou André olhando para Leonardo e em seguida para Sofia, continuando - Sofia, talvez queira acrescentar alguma?! Esteja à vontade. Tem de me dar uma mãozinha neste assunto...
- Claro! Logo veremos.
Ainda não tinha assimilado toda esta informação e Leonardo já começara a ser "bombardeado" com as primeiras perguntas do rol que se seguia. Naquele momento é que caira em si a responsabilidade que iria ter e os nervos irromperam à flor da pele. No que se teria metido? O interrogatório começara e ele só se lembrava dos realizados pelas entidades policiais ou pelos nazis na segunda grande guerra, o que piorava a situação.
- Como se chama? Nome completo.
- Que pergunta?! Sabe como me chamo.
- Por favor, responda às perguntas.
De repente o ar pesou e a ideia de um interrogatório feito por terroristas ganhava mais força.
- Muito bem! Leonardo Costa Alves.
- Onde mora?
- No Barreiro. Quer a morada?
- Sim, claro. Vai ficar tudo registado para mais tarde confirmar-se. - disse prontamente Sofia como quem ataca em tom ameaçador.
- Resido na Rua Manuel Pacheco Nobre, Nº43, 2º andar esquerdo.
- Quantos anos tem? Data de nascimento.
- Nasci a 13 de Maio de 1969, tenho 38 anos.
- Bom, muito bom! 13 de Maio, Nª. Srª. de Fátima, as velhinhas religiosas vão pensar que é uma espécie de milagre. Um santo! Óptimo. - interrompeu Carlos.
- Mãe? Pai? Família? - continuou André.
- A minha mãe morreu à cerca de um ano de cancro da mama. Chamava-se Amália. O meu pai abandonou-nos quando era pequeno e ela voltou a casar, com um bom homem de quem teve outro filho. Meu irmão Tiago de 15 anos. Tenho pouca família.
- O seu pai biológico, nunca mais soube nada dele?
- Creio que se casou novamente, ou pelo menos juntou-se com uma mulher mais nova. Tem duas filhas. Nunca as conheci.
- Penso que temos um problema, mas talvez também uma vantagem. O seu pai adoptivo?
- Faleceu quando o Tiago era pequeno. Ataque cardíaco. Trabalhava numa barbearia.
- E o seu irmão? Está consigo? Como se relacionam?
- Somos os melhores amigos. Sempre o adorei. Sofre de Sindroma de Down e como não posso lhe dar muita atenção, pois não tenho tempo, tive de o internar num lar que lhe dá a melhor assistência. Mas vejo-o todos os dias. - disse Leonardo com uma lágrima ao canto do olho. Os seus sentimentos eram puros e sinceros e nem mesmo Sofia ficou impune.
- Temos que resolver isso... Não pode ficar mais tempo internado nesse lar. Temos que o trazer para junto de si.
Foi com estas palavras por parte de Carlos que Leonardo mostrou pela primeira vez a garra com que o advogado queria que ele vencesse estas eleições.
- Nem pense usar o meu irmão para conquistar votos. Não vou deixar que façam dele um boneco para ser mostrado por ser diferente nesta campanha. Com ele não!
- Calma Leonardo! Eu percebo-o. - interpolou Sofia, acalmando-o - Não vamos usar o Tiago, mas mais cedo ou mais tarde ele vai ser descoberto, pelo opositor ou por jornalistas sem excrupúlos e será usado contra si. Não é seguro ele estar num lar, por melhor que este seja.
Leonardo ouviu e concordou e por uma vez, o egoísmo que sentira ao aceitar ser o candidato, desapareceu e pensou no bem estar do mano pequeno.
- Muito bem! Continuem...
- Muito bem. Tem namorada? Ou mantém algum tipo de relacionamento com alguma pessoa, homem ou mulher? É homossexual?
- Não. Não. Não.
- Quantas namoradas teve?
- Assim de momento não me recordo. Mas cerca de cinco ou seis.
- Cerca, não serve. Tem de ter a certeza. Cinco ou seis? - interrompeu Sofia ferozmente. A velha Sofia havia voltado, com a sua incerteza e desconfiança.
- Cinco.
- Queremos nomes, idades, moradas, telefones, profissões. Nada pode ser esquecido.
- Não percebo, porquê tanto interesse?!
- Imagine que no meio de um discurso de candidatura, aparece uma mulher a dizer que está grávida ou tem um filho ilegítimo seu. Seria um escândalo! Temos de prever catástrofes... -disse Sofia friamente. Leonardo quase jurava que vira uma veia arrebentar no meio da testa dela. Foi nesse momento que eles notaram que nunca iriam se dar bem. Teriam de ser esforçar bastante para coexistirem juntos e trabalharem em conjunto.
Após um jantar à base de pizzas e refrigerantes, as horas que se seguiram até de madrugada, foram preenchidas por perguntas que torturavam de todas as maneiras a simples vida de Leonardo. Sofia iria dificultar tudo o mais possível e desenterrar toda a sua história, embora não tivesse nada a temer. Naquela altura e por breves instantes, Leonardo sentiu-se fascinado por aquela mulher misteriosa que acendia em cada momento de discussão e a quem decididamente tinha declarado guerra aberta.

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